Em seguidas visitas realizadas a empresas em situação de crise, usualmente mais agudas que os empreendedores ou gestores desejam reconhecer, percebe-se nitidamente uma correlação direta entre a severidade da crise com o tamanho da miopia do empreendedor.
Valho-me aqui de conceitos explorados por Theodore Levitt em seu famoso ensaio “Marketing Myopia” publicado pela primeira vez em 1960 pela sólida revista HBR, ainda absolutamente atual.
Neste ensaio Theodore Levitt atribui, logo no início do artigo, o motivo da má gestão de um negócio à visão focada na venda, ou seja, do produto e não no marketing, que representa a necessidade ou o desejo do cliente ou do mercado; ou seja, uma visão curta, não se enxergando um pouco mais distante, daí a miopia. Mas o que isso tem a ver com empresas em crise?
Noto nestas reuniões que os empreendedores ou seus sucessores carregam uma confiança, uma energia positiva enorme, uma satisfação e orgulho baseados usualmente em 3 pilares:
Nome construído (marcas, produtos, patentes)
Longevidade
Responsabilidade Social (geração de empregos, renda, desenvolvimento do entorno)
Claro que o empreendedor tem todos os motivos para se orgulhar destes pilares e pelos valores éticos familiares aportados ao negócio. Isso é muito positivo!
Não obstante, como todo organismo vivo, uma empresa nasce para morrer. A perenidade de uma empresa depende fundamentalmente da consciência de seus gestores de que a “morte” (crise, falência) está sempre à porta, mesmo nos melhores momentos. Lamentavelmente todos os empreendedores que tenho conversado não enxergam esta “distância”, daí a miopia!
Uma empresa em miopia (ou podem chamar de negação) não está preparada para enfrentar os desafios quando a crise se instala. As atitudes que encontro são repletas de condescendências: “O dólar subiu muito!”; “ninguém esperava esta crise!”; “se conseguirmos sobreviver até a mudança de governo, estaremos muito bem”; etc, etc… Até o momento não ouvi de nenhum gestor ou empreendedor algo minimamente próximo de “demorei para perceber que com a redução de demanda eu deveria reduzir meus custos imediatamente”; ou talvez “enquanto estávamos no auge, não investi em novos produtos ou mercados”…
Mas nenhum destes consegue enxergar ou entender as outras Partes Interessadas. Não enxergam ou entendem porque seus clientes, muitas vezes maiores que eles, atrasam pagamentos; por que os bancos negam créditos, porque “apesar de nosso nome, longevidade, e honestidade dos fundadores não são suficientes para obter aquele crédito salvador”?
Aí, e quase sempre por indicação, convocam consultorias especializadas em recuperação de empresas, e no final das contas as expectativas são de que se consiga os recursos (claro, graças ao nome, longevidade, reputação) para que possam seguir da mesma forma. Aí questionamos: “se aparecer este recurso emergencial, como vocês garantem que não retornarão a este estado em algum tempo?”.
Incrível como o empreendedor tem dificuldades para reconhecer que a empresa chegou a este estado de crise por conta desta miopia. E mais: Insistem em buscar o recurso emergencial para seguir da mesma forma que o levou a este estado! Aí não entendem porque as portas se fecham!
Enquanto não houver um projeto que possa levar a empresa para um outro estado, e não apenas tirá-la do “buraco”, ninguém se importará. Ninguém se importando, o destino da empresa será o seu fim.
Um olhar externo, profissional, altamente impactante é o caminho; sem ser necessária a destruição dos pilares que tanta confiança e orgulho aportam os fundadores.
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Um comentário
Excelente abordagem. O problema em geral é “externo”, não “interno”. Por isso, a importância de um Conselho ativo e independente. ?