Na grande maioria das empresas familiares de primeira e segunda geração, é muito comum se verificar a confusão entre o patrimônio dos sócios (e às vezes de seus familiares) com o patrimônio da empresa, isso porque em regra o patrimônio dos sócios foi crescendo gradativamente, na medida em que a empresa foi se consolidando, de forma que um acabava dando suporte ao outro, quer pela facilidade de administração do patrimônio pessoal em conjunto com a administração da empresa, quer, ainda, porque muitas vezes o balanço da empresa ficava mais robusto quando em conjunto com o patrimônio pessoal do sócio, facilitando na obtenção de melhores condições de financiamento.
Em muitos casos, infelizmente, esta confusão entre patrimônio pessoal e da empresa se perpetua, mesmo na segunda e até na terceira gerações, às vezes por necessidade, mas muito mais por comodidade.
O costume e a facilidade de se utilizar toda a estrutura da empresa para gerir o patrimônio pessoal dos sócios dificulta muito a iniciativa de separação. Desde o simples ato de usar a estrutura da empresa para registrar funcionários pessoais, fazer sua contabilidade/declaração de imposto de renda, controlar pagamentos, impostos, manutenções, obras, licenciamentos, seguros, enfim, tudo o que é relacionado ao patrimônio pessoal, havendo ainda uma questão de segurança pessoal, já que, ao se consultar quem é o proprietário do bem, se identificará a empresa, e não se sabe em bens comuns, se quem está usando é sócio, filho de sócio ou funcionário (lógico que muitas vezes isso extrapola para compra de carros esportivos e superesportivos em nome da empresa, lanchas, casas de lazer, etc).
Enquanto os sócios e/ou herdeiros possuem um bom convívio e estão presentes, esta confusão entre patrimônio da empresa e patrimônio pessoal acaba acontecendo com naturalidade e sem desgastes. No entanto, havendo qualquer tipo de desgaste, disputa ou ruptura na sociedade, as coisas começam a se complicar, ainda mais se são vários sócios e se não há um mínimo controle de gastos, quer na aquisição, quer na conservação e manutenção dos bens de cada um.
No entanto, na entrada da segunda geração ou novos sócios, esta situação deve ser evitada e corrigida, porque qualquer conflito entre os sócios, por mais simples que seja, vai refletir como uma fonte de conflitos na empresa.
Imagine-se, por exemplo, que as casas que são utilizadas para a moradia dos sócios estão no nome da empresa, assim como os veículos de uso pessoal e uma penhora de uma ação trabalhista da empresa ou de uma execução fiscal recai somente sobre o imóvel ou veículo de um dos sócios. Ou se um dos veículos de pessoal se envolve em acidente que envolve indenização e a ação é proposta contra a empresa. Mais do que isso, os riscos de uma eventual disputa entre sócios que envolva a nomeação de um administrador judicial da empresa que, por obrigação legal, tem que solicitar os veículos e até as moradias dos sócios, ou cobrar aluguel pelo uso, já que constam como patrimônio da empresa, podendo, em último caso, até ser vendidos, porque não se justifica a manutenção, porque são estranhos à atividade da empresa.
Além disso, quando há distinção entre valores ou mesmo aparências de bens entre os sócios, é normal que isso cause desgastes entre filhos e agregados, causando situações incômodas e gerando conflitos.
Para evitar este tipo de problema, a orientação é que dentro do possível, haja a separação do patrimônio pessoal dos sócios do patrimônio da empresa, mediante repasse dos bens e direitos do patrimônio pessoal que estão em nome da empresa para o respectivo sócio que de fato é seu titular, sendo que um dos caminhos é por meio de distribuição de lucros, com venda e compra e/ou redução de Capital, mas certamente um advogado tributarista poderá apresentar a melhor solução.
A orientação é que isto ocorra sempre acompanhado de uma “prestação de contas”, com aprovação e anuência dos demais sócios, para evitar discussões futuras.
Paralelamente, nas empresas que permanecem como familiares, se sugere a criação de um “family office”, de forma a montar uma estrutura paralela à da empresa, até para não exigir que cada sócio tenha de montar uma estrutura para cuidar de seu patrimônio pessoal. Ou seja, um escritório separado da empresa, que se encarregará de fazer todos os procedimentos para a gestão do patrimônio da família, como controle de pagamento de contas de consumo, escolas, IPVA, licenciamento, IPTU, seleção e registro de funcionários, contratação de obras e serviços, viagens, aplicações financeiras e investimentos, etc. Mais do que isso, o “Family office” poderá abordar a questão das novas gerações, e de investimentos particulares dos sócios, ofertando condições de igualdade de oportunidade não só para os sócios (investimentos), como para as futuras gerações (na questão de estudos e acompanhamento acadêmico e profissional).
Este “family office”, costuma ficar sob coordenação de um membro da família (às vezes é até um bom caminho para ajudar na sucessão) e pode usar os serviços da empresa, mas sempre registrando o custo/hora e consumo, até para evitar discussões futuras e manter enxuta a estrutura.
O “family office” também acaba servindo a para integração e organização de sócios, herdeiros e família, num ambiente diferente da empresa, e pode promover encontros e eventos familiares (separados da empresa).
A maioria das empresas que passam por esta fase, estabelece de forma clara os serviços e benefícios que a empresa custeará para cada sócio (os demais devem ser custeados isoladamente pelo sócio), com eventual distinção entre os sócios que trabalham e aqueles que não trabalham na empresa e/ou só participam do conselho.
É muito comum a empresa custear um veículo de trabalho padronizado (igual ou de mesmo valor ou até um limite de valor para cada sócio) e, eventualmente, motorista e item de segurança (blindagem do veículo).
É importante lembrar que mesmo este conceito pode haver desgastes, eis que um sócio pode acabar gastando mais do que o outro, por isso é muito importante que estes benefícios sejam previamente definidos e regulamentados.
No caso específico de transferência dos bens do patrimônio da empresa para o patrimônio dos sócios, o ideal é que sejam listados os bens e veículos de cada sócio, com valores calculados com base no preço de aquisição (porque os demais sócios não devem arcar com desvalorizações e nem serem beneficiados com valorizações) custos de manutenção e conservação, impostos, enfim, tudo o que foi pago diretamente pela empresa para a aquisição e manutenção do bem do sócio, devendo ser eleito de comum acordo entre os sócios um índice de correção. Após apurado o custo total de repasse, esta decisão precisa ser e aprovada pela maioria dos sócios em assembleia e os bens transferidos como “distribuição de lucros”, venda ou eventualmente redução de Capital, para a pessoa física do sócio ou eventualmente para outra pessoa jurídica (patrimonial) que ele detenha.
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2 comentários
Olá . Este artigo reflete os conflitos gerados por esta postura nas empresas familiares e cujos conflitos perduram no tempo indefinidamente passando em alguns casos para gerações seguintes. Mas eu tambem gostaria de saber qual o mecanismo que deve ser usado quando todo o património foi sendo adquirido pelos sócios e a empresa necessita de regularizar sua situação tributária e não se encontra nada em nome dela ? O que deve ser feito ?
Cara Maria Lizete,
Sem analisar com acuidade a situação fica difícil dar uma solução mais correta. Pelo que entendi, os sócios foram adquirindo patrimônio na Pessoa Física e a sociedade não possui nada em nome dela, é isso? Imagino que os sócios, para terem origem na aquisição do patrimônio, tenham feito a distribuição de lucro (mesmo que de forma antecipada) ou obtido empréstimo da empresa. No primeiro caso, o Capital da empresa deve estar baixo; e, no segundo, os sócios possuem dívidas com a empresa. A solução no primeiro caso seria o aumento de capital com a integralização por meio dos bens e direitos que estão em nome dos sócios; e, no segundo caso, usar os bens como dação em pagamento da dívida. Como falei esta é uma resposta simples e hipotética, sem analisar a situação específica. Lógico que mesmo que se adote um destes caminhos, é necessário analisar a forma e o momento em que a medida será adotada, bem como os reflexos disso na vida dos sócios e da sociedade.