Inteligência Artificial Generativa e a Governança Corporativa

Recentemente recebi um convite de um grupo de presidentes de conselhos de empresas para falar sobre ChatGPT e seu impacto na Governança Corporativa. 

Como conselheiro de administração de algumas empresas, um dos meus papéis é olhar para a estratégia à luz da transformação digital – definitivamente, a inteligência artificial generativa que define o ChatGPT, entre outras soluções, vai mudar a forma na qual administramos as empresas.

Inegavelmente existe uma onda sobre o assunto, é um trending topic, principalmente no que tange o alcance dessa tecnologia, até onde ela pode ir, o que ela poderá fazer por nós e quais os riscos atrelados a ela. 

As respostas a essas perguntas ainda soam muito mais especulativas do que assertivas, muito menos factuais. Tanto que recentemente, Elon Musk junto, Yuval Harari e tantos outros ícones da indústria tech formalizaram uma carta pedindo para a OpenAi frear o lançamento da nova versão ChatGPT- 4 por seis meses. 

O pedido intempestivo e desesperado de seis meses de pausa pode vir de diferentes lugares, um deles realmente é o receio da falta de controle que o advento dessa poderosa tecnologia pode trazer à nossa sociedade, e ninguém tem clareza de quais riscos estamos sendo submetidos. 

Outro receio de alguns, um pouco mais oculto, também pode ser o famoso FOMO (Fear Of Missing Out). OpenAI saiu na frente e é a plataforma que mais cresce por minuto hoje. Sendo assim, ficaria difícil todos esses líderes de empresas Big Techs conseguirem acompanhar o avanço com suas tecnologias próprias, eles já estão ficando muito para trás da OpenAi e portanto seis meses podem ser o período chave para eles alcançarem a evolução. 

Digo isso pois seis meses agora é uma eternidade uma vez que essas tecnologias avançam exponencialmente, pois elas aprendem a cada interação através do deep machine learning (aprendizado de máquina profundo).

Como a tecnologia funciona

A inteligência artificial utiliza-se de uma grande capacidade de fazer análises combinatórias nas quais o homem não é capaz. Em uma conferência sobre inteligência artificial promovida pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) em que tive a oportunidade de participar em 2022, o empresário sócio da NeuroTech e PHD em Machine Learning, Rodrigo Cunha, afirmou que o cérebro humano tem a capacidade de fazer análises combinatórias de até oito variáveis. Sendo assim, para fazer análises com mais variáveis, na ordem de milhares e milhões de variáveis, se faz necessário o uso de computadores e quanto maior a quantidade de variáveis e maior o tamanho da base de dados, maior também a necessidade da capacidade de processamento dos computadores.

Tanto que para certas ferramentas, como o próprio ChatGPT, aqui no Brasil não existem tais super-computadores potentes o suficiente para dar conta de tanto processamento. Os resultados que inquirimos à essa ferramenta aqui são processados em outro lugar.

Falando então sobre a I.A. generativa, como o ChatGPT, a grande diferença está na geração de novos conteúdos de linguagem. A tecnologia cria novos conteúdos a partir da alta probabilidade de uma palavra combinar com outra dado o assunto em pauta. Para isso ela aprende através da análise de centenas de milhões de eventos que se repetiram no passado. Por isso, tudo depende do tamanho e qualidade da base de dados.

Para dar conta, os computadores processam em cima de redes neurais como Transformers (daí vem o “T” do GPT que significa Generative Pre-Trained Transformer), GAN ou VAE. Essas redes neurais são um método de inteligência artificial inspirado no cérebro humano que promove o aprendizado profundo.

Além do ChatGPT, temos outras ferramentas em testes como o Dall-E também da OpenAI para criação de imagens. Temos o Chatsonic, Jasper Chat, Chat by Copy.ai. que cria conteúdo de marketing digital, ChatFlash, Easy Peasy AI Chat, Rytr…

A Governança

Se pensarmos em governança corporativa como o conjunto de práticas em que dirigimos, monitoramos e fomentamos as empresas conciliando os diferentes stakeholders, acionistas, sociedade e colaboradores, a I.A. Generativa pode nos ajudar nos diversos âmbitos da prática, como a criação do código de ética, gerenciamento de riscos, compliance, comunicação, tomada de decisão…

Decision Making – Tomada de decisão

  • O ChatGPT analisa um conjunto muito grande de dados e provê insights e tendências;
  • Usa machine learning para previsões e forecasting;
  • Faz análise de riscos;
  • Monta árvores e matrizes de decisão;
  • Cria análises de cenários.

Vamos dar um duplo clique neste último ponto, análise de cenários, para nos aprofundar.

ChatGPT pode gerar cenários baseados em várias situações hipotéticas permitindo o tomador de decisão, o decision-maker, entender os potenciais impactos de cada escolha diferente. Para fazer isso, a ferramenta usa uma técnica chamada planejamento de cenários que envolve a criação de uma gama de possíveis cenários futuros baseados num conjunto de premissas e drivers.

O processo envolve tipicamente os seguintes passos:

  1. Identificação dos drivers chave: ChatGPT trabalha junto do tomador de decisão para identificar quais são as variáveis que podem impactar o futuro. Incluindo fatores econômicos, sociais, tecnológicos e políticos.
  2. Desenvolver as premissas: A partir dos drivers a ferramenta ajuda na criação das premissas nas quais esses drivers podem evoluir com o tempo.
  3. Criação das narrativas: Uma vez com as premissas as narrativas dos diferentes possíveis cenários são criados.
  4. Teste dos cenários: ChatGPT junto com o decision-maker testa cada cenário e identifica riscos e oportunidades;
  5. Desenvolvimento das estratégias: Baseado nos insights adquiridos de cada cenário, mais uma vez em conjunto do decision-maker a ferramenta ajuda a desenhar estratégias para se preparar e responder a cada cenário.

Para simular e deixar mais claro esse processo, utilizei a ferramenta com um caso hipotético no qual eu como o CEO de uma startup que produz veículos elétricos estou tentando me antecipar a tendências do futuro e me preparar para potenciais disrupções nessa indústria.

1- O ChatGPT me identificou possíveis drivers, ou alavancas chaves que impactariam os diferentes cenários. As alavancas foram: a tecnologia das baterias, regulamentação governamentais, e preferências dos consumidores.

2 – Depois, baseado nessas alavancas, definimos algumas premissas que mudaria com o tempo. Por exemplo, assumimos que a tecnologia das baterias avançaria com o tempo, que a regulamentação do governo se intensificaria de forma mais restritiva com o tempo, e que os consumidores vão ficar mais conscientes com a agenda de ESG, se preocupando mais com o meio ambiente.

3 – Criamos três cenários em função dessas premissas:

  • Cenário 1: Ocorre uma melhoria drástica nas baterias – neste cenário, as baterias se tornam mais eficientes a uma velocidade maior do que esperávamos, trazendo maior duração e menor custos. Isso trás uma adoção mais rápida de veículos elétricos e por consequência a disrupção da indústria automotiva tradicional.
  • Cenário 2: Maior regulação – Os governos ao redor do planeta passam a trazer regulações mais restritas com relação a emissão de gases e eficiência energética, incentivando o maior consumo de carros elétricos. Isso cria maiores oportunidades para as startups de veículos elétricos, mas também aumenta o ingresso da concorrência.
  • Cenário 3: Devagar e sempre – Neste cenário a tecnologia avança gradualmente e a regulação e preferência de consumo caminham em ritmos moderados. Existe o crescimento da indústria e a presença de competição por competidores bem estabelecidos.

4 – Teste dos cenários: Aqui é a etapa de testar os cenários analisando os riscos e oportunidades associados com cada cenário. Por exemplo, no cenário 1, talvez tenhamos oportunidades para startups desenvolverem novas tecnologias de baterias ou entrar no mercado automotivo, mas também podem existir riscos associados ao rápido crescimento e potencial saturação de mercado.

5 – Definição das estratégias: Vindo dos insights gerados no planejamento de cenários, nós desenvolvemos estratégias para se preparar. Tomando o cenário 2 como exemplo, nós podemos definir como foco o desenvolvimento de baterias mais eficientes ou a parceria com os governos para encontrar uma regulamentação mais justa para o mercado.

Enfim, para cada interesse, seja na formulação de um plano de comunicação para os colaboradores ou para acionistas, a criação de materiais de marketing, ou a criação de um código de conduta, o ChatGPT pode ajudar através da coleta de dados, de casos de uso e melhores práticas da indústria, oferece sugestões e feedback.

Contudo, nem tudo são flores. Existem dois aspectos extremamente importantes e que podem inviabilizar o uso extensivo da ferramenta: um se trata dos obstáculos técnicos e outro sobre limitações jurídicas e regulamentares.

Limitações técnicas

Como mencionei acima, a base de dados de onde a informação é extraída é a matéria prima utilizada. Se essa base não for limpa de fake news e de dados desatualizados, e preenchida de fatos relevantes o produto resultante também vai ser prejudicado. Logo, existe um custo de manter uma base de dados boa.

O processamento em redes neurais é muito custoso e quanto maior a base de dados consultada, maior é a necessidade de processamento e o custo acompanha.

Outro fator relevante é o idioma. Uma base de dados em inglês trará melhores resultados em inglês. Embora possamos traduzir esses resultados, cada idioma trás aspectos, sinais e símbolos culturais que não são fáceis de traduzir e com isso contextos são perdidos no meio do caminho. No caso do próprio ChatGPT onde a base de informação é maior em inglês, os resultados são mais completos quando perguntamos em inglês. 

Como uma tecnologia que está em seu processo inicial de massificação, existe pouca mão de obra qualificada para fazer uma implementação. Da mesma forma, a integração com diferentes sistemas ainda demanda muita customização e capacitação.

Regulamentação e judicialização

Conflito na autoria dos materiais criados. Não existe uma legislação clara sobre a criação ou co-criação de conteúdos por inteligência artificial. 

Nos Estados Unidos, por exemplo, o U.S. Copyright Office (USCO) já passou a rejeitar a proteção de direitos autorais para obras de arte geradas por IA.

Por outro lado, no Reino Unido e na Nova Zelândia, é concedida proteção de direitos autorais a obras geradas por computador. O “UK Copyright, Designs and Patents Act 1988” prevê, expressamente, que “no caso de uma obra literária, dramática, musical ou artística gerada por computador, o autor deve ser considerado a pessoa por quem os arranjos necessários para a criação do trabalho foram realizados”. 

Alguns educadores questionam, por exemplo: “se 49% do texto foi escrito por IA, com os 51% restantes escritos por um humano, isso é considerado um trabalho original? Não existem precedentes judiciais”.

A preocupação de parte da sociedade que está pedindo a pausa da tecnologia por seis meses reside também na falta da regulamentação. Uma ferramenta pode servir para fazer o bem e para fazer mal. Como um martelo nas mãos boas pode construir pontes e lares, em mãos ruins podem destruir e machucar outras pessoas.

Com uma ferramenta tão poderosa, a magnitude dos impactos é exageradamente maior, para o bem ou para o mal.

Com isso, como líderes à frente de empresas temos grande responsabilidade e portanto temos que buscar respostas para algumas perguntas como – vamos permitir que os robôs transbordem nossos canais de informação com propaganda e mentiras? Todos os trabalhos devem ser automatizados? Incluindo os gratificantes? Devemos nos arriscar a perder o controle da nossa civilização? Quem deve tomar essas decisões, os governos, as sociedades privadas, os acadêmicos…? 

Nenhuma sociedade está pronta para usar extensivamente e muito menos para regulamentar a ferramenta. Por isso, precisamos juntar um grupo holístico de órgãos e pessoas, entre eles as empresas, governos, educadores, empreendedores sociais e filósofos para evitar o que há de pior na I.A.

Enquanto isso não acontece, usamos a Inteligência Artificial Generativa com a moderação dos nossos princípios, valores e sob o guarda-chuva das leis existentes.

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