Grande parte das empresas brasileiras é de controle familiar e de capital fechado. Esta realidade, em muitos casos, cria dificuldades culturais para que se profissionalize a gestão dessas empresas e para que se crie uma estrutura de governança corporativa que gere mais transparência, compartilhamento de poder decisório e adoção de estratégias descoladas, em sua maioria, do comportamento tradicional do comando familiar.
Todavia, esta realidade tem sofrido mudanças. Ainda que em volume relativamente pequeno, algumas famílias empresárias enxergaram que a manutenção de uma cultura bem fechada e conservadora pode custar caro à sobrevivência de suas empresas, principalmente em tempos de aumento da complexidade e da maneira de se fazer os negócios e da velocidade de mudança da dinâmica empresarial, muito em função das chamadas disrupções tecnológicas (Inteligência Artificial, Big Data, Machine Learning, Data Analytics e por aí vai).
Diante dessa realidade, passa a ser imperativa a decisão de mudar a cultura com choques de gestão antes inimagináveis pela tradição familiar. Muitos temas surgem com relevância neste contexto, como o planejamento sucessório (a transição de comando entre gerações da família), a profissionalização da gestão (com a contratação de administradores externos e a capacitação gerencial de membros da família), a necessária separação entre propriedade x gestão x família e, com muita ênfase, o foco ascendente na gestão de conflitos familiares e no alinhamento de interesses.
Tudo isso faz parte do cardápio de temas ligados ao reposicionamento das empresas familiares em um cenário de maior competição, necessidade constante de aprimoramento dos mecanismos de tomada de decisão e complexidade na gestão empresarial (sem esquecer, naturalmente, do impacto sobre o negócio gerado pela inovação tecnológica ininterrupta).
Manter a decisão de continuar com uma cultura empresarial fechada e conservadora passa a ser cada vez mais arriscado para a empresa familiar. Diante disso, a decisão de se criar um conselho de administração (CA), para auxiliar estrategicamente os rumos que a empresa deve seguir, é um passo muito importante.
Entretanto, é preciso avaliar a realidade atual da empresa familiar e aonde ela quer chegar em um determinado período de tempo. A depender do caso, a opção pela adoção de um conselho consultivo (colegiado sem poder de decisão, ou seja, só de aconselhamento) é mais oportuna do que a adoção de um conselho de administração (que tem poder de decisão). Isso precisa ser bem diagnosticado e avaliado, na maioria dos casos, por uma consultoria externa.
Normalmente, o conselho consultivo é o estágio inicial mais indicado para uma empresa familiar que ainda não tem uma cultura de governança corporativa e de gestão profissionalizada amadurecida. Com o passar o tempo e com a evolução cultural da empresa, a decisão de se estabelecer um conselho de administração passa a ser mais interessante e até mesmo necessária.
Porém, os membros da(s) família(s) que controla(m) a empresa precisam se perguntar:
1) a nossa empresa ou holding familiar chegou no momento em que precisa de um conselho de administração? Temos condições de avaliar isso sozinhos ou precisamos de um apoio externo?
2) estamos dispostos a romper paradigmas culturais que antes pareciam pétreos?
3) como lidaremos com o compartilhamento do poder decisório em determinadas situações?
4) ter conselheiros de administração externos e independentes pode, de fato, colocar para nós desafios e que nos auxiliem a romper, se necessário, com o nosso estilo tradicional de gestão? É interessante que visões e experiências externas nos desafiem?
5) estamos dispostos a isso, ou seja, romper com o nosso estilo tradicional de gestão com a adoção de decisões estratégicas que não estávamos acostumados?
6) como encarar a profissionalização da gestão sem deixar que a interferência dos aspectos emocionais prejudiquem demasiadamente a relação entre membros da família e administradores contratados no mercado? O alinhamento de interesses deve ser prioridade desde o início dessa relação, como forma de se evitar o chamado conflito de agência que é tão ruim para o sucesso da organização?
7) estamos preparados (ou estamos cientes que precisamos nos preparar) para conceder uma maior independência ao conselho de administração?
8) estamos cientes que a profissionalização da gestão e a constituição de um conselho de administração pode conceder à nossa empresa, em alguns aspectos, uma natureza de companhia aberta mesmo sendo de capital fechado?
9) teremos algum tipo de objeção ou dificultaremos a avaliação externa do desempenho dos membros familiares do conselho de administração? Além disso, como reagiremos se formos avaliados pelos conselheiros independentes e externos em uma avaliação 360 graus?
10) até que ponto estamos dispostos a ouvir, refletir e, se for o caso, aceitar as orientações estratégicas de um conselheiro independente ou externo que podem, em algumas ocasiões, contrariarem o pensamento da maioria ou de todos os membros familiares do conselho de administração? Conseguiremos dar espaço ao contraditório nas reuniões do conselho de administração?
Diante disso, outras questões surgem se houver uma evolução para a adoção de um conselho de administração:
1) qual a melhor composição do CA para a minha empresa ou holding familiar?
2) quantos membros devem compor o CA?
3) quantos membros da família devem compor o CA e quais? Haverá critérios de escolha? Se sim, quais?
4) quantos conselheiros externos e/ou independentes deverão ser contratados?
5) haverá suplentes no conselho de administração? Se sim, exigiremos que os suplentes dos membros familiares estejam preparados para a assunção da vaga em decorrência da vacância do titular? Neste caso, estamos cientes de que é preciso um plano de sucessão dos membros familiares do CA e, naturalmente, do CEO (independentemente se for externo ou não)?
6) o Presidente do Conselho de Administração (PCA) será um membro da família ou de uma das famílias (se for mais de uma família proprietária deverá ter rodízio, se assim for decidido) ou será um conselheiro externo ou um conselheiro independente?
7) se o Presidente do Conselho de Administração (PCA) for da família ou de uma das famílias proprietárias, o CEO deverá ser outro membro familiar ou até mesmo um profissional contratado no mercado, evitando, assim, o acúmulo de cargo por uma mesma pessoa da família ou de uma das famílias proprietárias?
8) se pensarmos na necessidade de uma liderança no conselho de administração, este líder pode ser um conselheiro independente ou externo que tenha a plena confiança dos membros da família ou terá que ser obrigatoriamente um membro familiar?
Há outras questões de governança corporativa que precisam ser colocadas na mesa, mas o fato é que o conselho de administração é um órgão colegiado deliberativo muito importante para uma empresa familiar e, por isso, não pode ser tratado como um grupo de pessoas sob comando dos interesses do(s) controlador(es) familiar(es) da empresa. A sua existência deve ser marcada pela independência e pelo foco nos interesses estratégicos da empresa.
Neste sentido, o conselho de administração de uma empresa familiar deve ser ativo e funcional o tempo todo (não somente nas reuniões). O seu papel no direcionamento estratégico é primordial, pois ele existe fundamentalmente para isso, ou seja, avaliar as proposições de deliberação da diretoria executiva, definir e aprovar as melhores estratégias para o alcance do sucesso da empresa (com um olhar mais no longo prazo).
Além disso, é responsabilidade dos conselheiros de administração a garantia de que os valores e princípios de conduta e integridade sejam respeitados nos processos decisórios da empresa familiar, fortalecendo a estrutura de governança corporativa e sempre com o compromisso inegociável de defesa dos seguintes pilares: transparência, prestação de contas, responsabilidade corporativa e equidade.
Como principal guardião das boas práticas de governança corporativa, o papel de um conselho de administração ativo não se resume somente à participação regular nos processos decisórios em parceria com a diretoria executiva, mas, também, no dever de agir com diligência, com informação e lealdade à missão, visão e valores e, acima de tudo, aos interesses soberanos da empresa familiar.
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2 comentários
Ótima contribuição Paulo. Parabéns. A experiência tem mostrado o quão relevantes são os conselhos para as empresas familiares.
Grato Monique! Penso que a dinâmica de movimentação do mercado está cada vez mais acelerada e as empresas familiares precisam estar preparadas para esta realidade. A decisão de constituição de um conselho de administração precisa ser tomada com maturidade e comunicação transparente entre os membros familiares. Forte abraço.