Unindo Gerações: O Papel da Mediação na Resolução de Conflitos em Empresas Familiares

Os conflitos entre gerações são comuns em empresas. Nas empresas familiares, eles tomam outra dimensão, tendo em vista que as discussões que começam nas dependências da empresa costumam se alastrar até o almoço de domingo envolvendo relações profissionais e familiares em um caldeirão de emoções. Essas divergências geralmente ocorrem em relação a governança, hierarquia, dividendos, salários, cultura e meritocracia e, por vezes, envolvem emoções ocultas e latentes decorrentes de situações externas à empresa, mas relacionadas à família.

O conflito pode ser definido como um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis[1].

A moderna teoria do conflito enxerga o conflito como um fenômeno natural nas relações interpessoais prevê a possibilidade de se perceber o problema de forma positiva. Assim, se o conflito é tido como algo (potencialmente) positivo, não existe a percepção de ameaça, facilitando a compreensão da situação, permitindo tratá-la com serenidade. Segundo essa teoria, todos os envolvidos têm interesses congruentes.

A forma mais comum de se resolver conflitos é a negociação. Esta é considerada uma comunicação bidirecional concebida para se chegar a um acordo, quando se tem interesses em comum e outros opostos com a outra parte[2]. A negociação é a primeira instância da tentativa de resolução de conflitos. É um instrumento natural para solucionar os problemas, ao qual muitas vezes recorrem os interessados mesmo de modo inconsciente, quando existe algo incômodo na inter-relação existente, seja de ordem afetiva, profissional ou comercial. Uma vez acertada uma solução que agrade as partes, o conflito estará resolvido[3].

Existem diversos métodos de negociação. Na negociação integrativa[4] busca-se compreender interesses das partes para então, criando opções, atendê-los de maneira simultaneamente proveitosa. A flexibilidade deste tipo de negociação consiste no foco dado a interesses em detrimento de um posicionamento fixo, sendo que os interesses podem ser atendidos de diversas formas. Outro aspecto levado em conta nesse tipo de negociação é o relacionamento futuro das partes, ou seja, a expectativa de se negociar novamente e não uma disputa ocasional.

As pessoas são movidas por seus interesses. Todos os dias elas negociam consigo mesmas e com terceiros e assim, conflitos aparecem.

Na família empresária não é diferente. Por suas características de continuidade, seja por conta do parentesco ou do legado a ser preservado, os conflitos que surgem necessitam ser administrados continuamente para manutenção das relações existentes na família e na empresa.

A preservação do legado e dos valores familiares é o fim último da família. Ocorre que as pessoas percebem as coisas de forma diferente e dessa diferença de percepções pode advir diferentes opções para a solução do mesmo problema – a continuidade da empresa. Adicionado a isso há a diferença de visões decorrente da geração. A sociedade como um todo se transforma a partir de influências e tendência culturais que são absorvidos mais rapidamente pelos mais jovens.

Diferenças de perspectiva entre gerações podem criar conflitos. Os membros mais jovens podem querer inovar e adotar novas estratégias, enquanto os mais velhos podem preferir manter tradições e práticas antigas. Tais desentendimentos podem afetar a tomada de decisões e a harmonia dentro da empresa e da família.

Para ilustrar essa situação, propõe-se o seguinte caso hipotético. Em uma tradicional empresa familiar que atua na produção de calçados há várias décadas, a geração mais jovem sugere a adoção de sistemas para análise de dados e automação com a finalidade de otimizar a produção e reduzir custos. A geração sênior teme que essas mudanças afetem a cultura da empresa e a qualidade dos produtos. Nesta empresa, atuam na gestão três gerações diferentes. A geração dos fundadores, que têm uma abordagem conservadora e resistente à mudança. A intermediária composta de filhos dos fundadores, que reconhecem a necessidade de modernização. E a geração mais jovem formada por netos dos fundadores, que são entusiastas da tecnologia e desejam implantar as inovações propostas.

No caso acima tem-se que lidar, além da diferença de opiniões, com a assimetria de conhecimento e poder. Os mais velhos usualmente possuem mais experiência e conhecimento acumulado sobre o negócio, o que pode lhes conferir maior autoridade e influência nas decisões estratégicas. Além disso, fundadores ou membros mais antigos da família podem deter a maioria das ações, o que lhes confere maior poder de decisão.

Lidar com essa assimetria de conhecimento e poder pode gerar dificuldades nas negociações diretas. Para casos como esse a mediação de conflitos é um método bastante indicado. A mediação é uma negociação facilitada por uma pessoa neutra e de confiança [5]. Em uma definição mais completa, tem-se a mediação como um meio de prevenção e de resolução de conflitos, confidencial, consensual e voluntário, conduzido por um (ou mais) mediador(es) capacitado(s), na qualidade de como terceiro imparcial, sem qualquer poder para julgar, auxiliar os interessados a melhorarem sua comunicação a fim de que eles próprios construam conjuntamente a melhor solução para seu conflito.

O mediador atua como um terceiro imparcial[6], facilitando a comunicação entre os envolvidos. Sua neutralidade ajuda a equilibrar o poder e a garantir que todas as partes sejam ouvidas. Além disso, a mediação é voluntária, respeitando a autonomia das partes, que tomam as decisões. Isso legitima os envolvidos, permitindo que busquem soluções que atendam a seus interesses.

Outra vantagem é a confidencialidade das discussões nas sessões de mediação, que promove um ambiente seguro permitindo aos envolvidos compartilhar informações sem receito de exposição ou retaliação. Com isso, incentiva a colaboração entre as partes trabalham juntas para encontrar soluções mutuamente aceitáveis.

Durante a fase de negociação, os interessados participam ativamente na construção de soluções para alcançar um resultado de ganhos mútuos. Nesta fase, os participantes precisam estar dispostos a rever suas posições iniciais, identificar se querem resolver a questão e se desejam se dedicar à construção de soluções de benefícios aos envolvidos[7]. As partes são coautoras e corresponsáveis pelos resultados obtidos. A coparticipação na decisão incentiva o empenho na implantação das soluções alcançadas.

A mediação é indicada para conflitos antigos e crônicos; para relações nas quais existe um vínculo (jurídico ou pessoal) entre os envolvidos, pois investiga os elementos subjetivos que levaram ao estado de divergências. Ela tem o foco na comunicação das partes e na manutenção de sua relação. É de grande valia quando aplicada em relações que as partes tenham interesse em manter, como, por exemplo, as de parcerias comerciais, societárias etc.

No caso hipotético proposto, há patente desequilíbrio de poder, decorrente de experiência e quantidade de votos na empresa, além de hierarquia e respeito no ambiente familiar. Um mediador utilizará técnicas e ferramentas de mediação e negociação para trazer equilíbrio às discussões. Por ser imparcial e desinteressado no resultado, “o mediador fará com que os participantes tenham as mesmas oportunidades de intervir no processo, valerá para que a boa-fé seja sempre respeitada e para que os participantes trabalhem juntos para resolver a disputa com foco no presente e no futuro”[8].

Uma ferramenta que garante o tratamento igual e paritário das partes é o equilíbrio de tempo e fala. O mediador permite que as partes tenham tempo igual para expressar seus pontos de vista, evitando que uma parte domine a conversa. De tal modo, o mediador garante que todas as gerações tenham oportunidades iguais para expressar suas preocupações e ideias.

Técnicas que também ajudam a criar um ambiente seguro com diminuição das diferenças de poder são validação e empatia. O mediador valida as preocupações e sentimentos de cada geração, independentemente de sua posição de poder. O mediador também deve promover a empatia e fazer com que uma partes perceba a situação sob a ótica da outra parte. Isso cria um ambiente de confiança e respeito mútuo.

Com a ajuda da técnica da escuta ativa[9], o mediador auxilia as partes na exploração de interesses e necessidades. Com isso, em vez de focar apenas nas posições das partes, o mediador explora seus interesses e necessidades subjacentes de cada geração. Ao ficar claro para os envolvidos que geração jovem busca eficiência e competitividade e que geração sênior valoriza a tradição e a qualidade, e que uma hipótese não é excludente da outra, as três gerações podem, em conjunto, encontrar soluções que atendam a todos de maneira mais eficaz.

O mediador pode se utilizar de sessões privadas (Caucus) com cada um dos envolvidos separadamente, possibilitando compartilhamento de informações sigilosas e discussão de questões de poder sem a presença da outra parte.

Entendidos os interesses das três gerações, o mediador incentiva a proposição de soluções que equilibrem inovação e tradição.

A mediação pode também ser educativa. Com a participação em um processo exitoso, os envolvidos aprendem a explorar os interesses dos outros. Em uma negociação futura de assuntos de interesses da sociedade, as partes que já aprenderam a cocriar soluções sentem-se legitimadas para fazer isso novamente, inclusive sem a necessidade de um mediador.

A mediação de conflitos é um mecanismo bastante eficaz para a resolução de conflitos e melhora da comunicação em uma empresa familiar. Com a utilização de técnicas e ferramentas adequadas, o mediador ajuda a desvendar os motivos ocultos do conflito e a buscar soluções de ganhos mútuos. Com isso, a empresa familiar ganha as melhores alternativas para o seu crescimento e manutenção do seu legado e valores da família. Além da resolução do problema, há o foco no futuro e a preservação das boas relações familiares. Isso cria um espaço para compartilhamento de conhecimento entre as gerações.

[1] AZEVEDO. André Gomma de (Org.). 2016 p.49

[2] FISCHER; URY; PATTON, 1994, p. 15

[3] SAMPAIO; BRAGA NETO, 2007, p. 9-10.

[4] Método desenvolvido pela Escola de Negociação de Harvard e explicado na obra FISCHER; URY; PATTON, 1994.

[5] Mediation is negotiation facilitated by a trusted neutral person. Disponível em https://imimediation.org/resources/what-is-mediation/ acesso em 27mai2024.

[6] Os termos neutralidade, imparcialidade, independência e suas variações serão utilizados neste trabalho como sinônimos. Para maiores informações sobre suas diferenças e peculiaridades, pesquisar em: ALEXANDER, 2009; CAHALI, 2022; CLOKE, 2001; ELIAS, 2021; LEMES, 2001.

[7] ALMEIDA, 2014.

[8] JACIR, 2022.

[9] Escutar com atenção plena a linguagem falada, expressão corporal, tom de voz, forma de olhar, visando para compreender com profundidade o conflito

BIBLIOGRAFIA

ALEXANDER, Nadja. International and comparative mediation: legal perspectives. The Netherlands: Kluwer Law International, 2009.;

ALMEIDA, Tania, Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos, São Paulo: Dash, 2014.

AZEVEDO. André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. Conselho Nacional de Justiça. 6ª ed. Brasília/DF:CNJ: 2016.

CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem, mediação, conciliação, tribunal multiportas. 9ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2022

CLOKE, Kenneth. Mediating dangerously: the frontiers of conflict resolution. 1 ed. San Francisco: Jossey-Bass, 2001.

ELIAS, Carlos. Imparcialidade dos árbitros. São Paulo: Almedina 2021.

FISCHER. Roger; URY. William; PATTON. Bruce. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer concessões. Tradução: Vera Ribeiro, Ana Luiza Borges. 2ª ed ver e ampl – Rio de Janeiro: Imago, 1994,

JACIR, Carmen Sfeir. Prevenção e resolução adequada de disputas em empresas familiares. In O legado da família empresária e a continuidade de seus negócios [livro eletrônico] / PEREIRA, Monique de Souza; CARVALHO. Rafael Homem de (org); ANDRADE, Amanda Rodrigues de; et al (coord). Curitiba, PR: Sacapuntas, 2022. PDF.

LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro: princípios da independência e da imparcialidade: abordagem no direito internacional, nacional e comparado. Jurisprudência (Lei n. 9.307/96, sobre arbitragem). São Paulo: LTr, 2001

SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é mediação de conflitos. Coleção primeiros passos. São Paulo: Brasiliense, 2007,

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