Entrelaçando Destinos: Governança Corporativa e Familiar nas Empresas Familiares

Na organização familiar os negócios tendem a ser geridos e as decisões são tomadas por membros de uma mesma família, podendo ser de diferentes gerações. Buscando definições para empresas familiares encontrei muitas, definidas a partir dos aspectos da gestão, da propriedade, dos laços familiares com manutenção de propósitos, valores da família fundadora e todas essas definições me parecem complementares, não encontrando uma única e padrão.

Segundo dados do IBGE, 90% das empresas brasileiras são familiares geram mais da metade do PIB nacional e empregam algo próximo a 70% da mão de obra do país. Porém uma informação preocupante é que um número pequeno de empresas familiares sobrevive à terceira geração.

As empresas familiares apresentam características distintas que transcendem seu tamanho e setor. Uma marcante é o legado e a cultura profundamente enraizados, oriundos do fundador, que conferem à empresa uma base sólida de propósitos e valores. Nas primeiras gerações, é típico que as decisões sejam centralizadas em poucas mãos, o que facilita um processo decisório ágil e descomplicado, frequentemente descrito como ‘sem burocracia’. Além disso, é notável o compromisso social dessas empresas com suas comunidades, uma proximidade cultivada pelo fundador com as famílias dos colaboradores. Esses aspectos, do ponto de vista da gestão, são vantagens significativas, vinculadas ao engajamento social e à eficiência nas decisões, elementos que podem impulsionar significativamente o crescimento dos negócios familiares.

Porém, os mesmos aspectos que oferecem vantagens às empresas familiares podem também representar desafios, como por exemplo, a centralização na tomada das decisões, a dificuldade em delegar e dividir a administração. Outros dois pontos críticos nas empresas familiares são a profissionalização e o processo sucessório. A profissionalização pode ser abordada tanto pela inclusão de executivos externos na gestão da empresa quanto pelo desenvolvimento das novas gerações para que assumam papéis ativos nos negócios. Já o processo sucessório, frequentemente debatido, exige uma abordagem que acolha e acompanhe tanto os predecessores quanto os sucessores, assegurando que a transição seja conduzida de maneira gradual e sensível às necessidades individuais, visando a continuidade e o sucesso a longo prazo do negócio

Quando pensamos em governança corporativa elas são as práticas empresariais que visam melhorar os processos, definir papéis e regras e aplicam-se a todas as organizações, independente do seu porte, se são ou não familiares, de capital aberto ou fechado.

Os princípios da governança corporativa foram atualizados na 6ª Edição do Código de Melhores Práticas do IBGC e passaram de quatro para cinco princípios, são eles: integridade, transparência, equidade, sustentabilidade e responsabilização. Os agentes da governança são as pessoas envolvidas na sua prática e são aqueles que colocarão os princípios em ação no dia a dia da empresa. 

Assim as práticas de governança corporativas buscam ações organizadas que culminarão em um equilíbrio entre os interesses de todas as partes envolvidas nos processos, sejam eles: colaboradores, sócios, fornecedores, clientes, gestores garantindo a sustentabilidade do negócio, tendo também o papel de proteger ativos e aprimorar a imagem da empresa.

Na estrutura da governança corporativa temos o conselho de administração que tem o papel de guardião da governança e faz a ligação entre a alta gestão e os acionistas trabalhando para defender os interesses da empresa.

O conselho de administração é um órgão colegiado e deliberativo encarregado de definir a estratégia da empresa e cuidar para que essa estratégia seja cumprida pela diretoria. Dentre seus papeis principais estão: acompanhar as decisões e ações e garantir que estas estejam alinhadas com os propósitos da empresa; tratar e prevenir situações de conflito de interesse; identificar, discutir e disseminar uma cultura ética e centrada nos propósitos da empresa e funcionar enquanto um canal de engajamento entre os sócios.

No caso das empresas familiares, além da governança corporativa é importante que exista um processo de governança no que tange aos assuntos familiares, que é conhecida como governança familiar. As práticas da governança familiar dizem respeito as questões apenas da família empresária, por exemplo as relações entre todos os membros da família, sócios ou não, proprietários ou não.

É fundamental que a governança familiar aborde as questões que constituem as raízes da família empresária. Isso inclui a definição dos propósitos e valores da família, bem como a transmissão desses princípios às novas gerações. Além disso, é crucial estabelecer regras claras, acordos sólidos e definir os papéis dos membros da família em relação à gestão da empresa familiar

A estrutura de governança familiar, variável conforme o tamanho da família empresária, geralmente inclui uma assembleia familiar composta por todos os membros. O principal papel da assembleia é fortalecer a comunicação e a coesão familiar, além de ser um veículo para a disseminação de informações pertinentes sobre os negócios. Com funções que podem ser informativas, orientativas ou deliberativas, o foco principal da assembleia é o alinhamento e o posicionamento estratégico da família. As reuniões ocorrem regularmente, seguindo as normas estabelecidas no protocolo de família, que pode incluir diretrizes sobre a idade mínima para participação, bem como a inclusão ou não de cônjuges e parentes por afinidade. 

A assembleia familiar geralmente se reúne pelo menos duas vezes ao ano. Esses encontros são essenciais para a integração dos membros e para tomar algumas decisões que servirão como recomendações para o conselho familiar. Entre as atividades realizadas durante essas reuniões, destacam-se a atualização das atividades desenvolvidas ao longo do ano, a prestação de contas anual, a discussão e a definição de diretrizes, planos e políticas familiares. Além disso, ocorre a eleição dos membros do conselho de família.

Alguns membros da assembleia familiar são selecionados para compor o conselho de família, que é responsável pelo relacionamento com os demais órgãos de governança corporativa. O conselho de família é encarregado de definir os princípios, a missão, a visão, os objetivos e os valores da família empresária, além de estabelecer regras para as interações entre os familiares e entre a família e a empresa, assim como com a sociedade em geral. Dentre as decisões importantes do conselho de família estão as diretrizes para o planejamento de carreira dos membros familiares, abrangendo sua educação e formação profissional, bem como sua preparação como sócios. O conselho também media conflitos, organiza e divulga a memória e o legado da família e estabelece normas para a comunicação social da família.

Esses dois tipos de governança são independentes, mas podem ter papéis complementares na estrutura geral da empresa familiar.

A Figura 1 ilustra a estrutura de governança comumente empregada em empresas familiares, conhecida como o modelo dos três círculos. Este modelo descreve o sistema de governança familiar através de três esferas distintas, porém interconectadas: empresa, família e propriedade. Cada uma destas esferas representa áreas independentes que podem se sobrepor, evidenciando a complexidade das relações e papéis dentro da empresa familiar. Compreender esta dinâmica é crucial para entender os diversos papéis que um mesmo membro da família pode assumir dentro do contexto empresarial.

 

Fonte: J.A.Davis e R.Tagiuri, Bivalent Attributes of Family Firm, 1982.

 

De acordo com o modelo dos três círculos apresentado anteriormente, cada membro da família é classificado em um ou mais dos sistemas representados: empresa, família e propriedade. Por exemplo, um indivíduo que atue como gestor, seja sócio e pertença à família, simultaneamente, é classificado em todos os três sistemas, o que é representado pelo número 7 na figura. Além disso, existem outros papéis dentro deste esquema, como familiares que são sócios mas não participam da gestão (representados pelo número 4), ou gestores que são proprietários (sócios) mas não fazem parte da família (número 6).

O modelo dos três círculos é essencial para compreender as dinâmicas únicas das empresas familiares, destacando a necessidade de implementar práticas específicas de governança familiar e corporativa para esse tipo de negócio. Esta abordagem nos permite visualizar claramente a intersecção entre empresa, família e propriedade, facilitando a elaboração de estratégias que harmonizem os interesses em cada um desses domínios. 

Ao estruturar a governança em empresas familiares, é importante reconhecer que sua implementação varia significativamente entre diferentes famílias. Os caminhos possíveis e o tempo necessário para a implementação podem diferir bastante. No entanto, existem algumas diretrizes universais que incluem a definição de regras, regimentos e procedimentos. É importante enfatizar que a governança é um processo contínuo e em constante evolução, requerendo adaptações periódicas para atender às mudanças nas dinâmicas familiares e empresariais.

A criação de fóruns separados para tratar assuntos familiares à parte dos assuntos empresariais pode beneficiar significativamente o andamento dos negócios, evitando que conflitos pessoais entre membros da família interfiram na gestão das empresas. Por essa razão, a implementação de uma estrutura de governança familiar e corporativa é uma prática altamente recomendável em empresas familiares. Implementar essas estruturas não apenas promove uma separação clara e saudável entre as esferas pessoal e profissional, mas também assegura a sustentabilidade e o sucesso a longo prazo da empresa.

 

 

 

Bibliografia:

Código de boas práticas de governança corporativa – 6° edição. IBGC. São Paulo, 2023.

Empresas familiares são protagonistas na economia. Acesso no link: Empresas familiares são protagonistas na economia (fdc.org.br)

Garcia, R.L.; Tavares, C.K. Empresa familiar e a governança corporativa: breves apontamentos sobre as estruturas de gestão das empresas familiares. Repats, Brasilia, v. 4, n. 1, p: 481-516, 2017.

Governança da Família Empresária – conceitos básicos, desafios e recomendações. IBGC. São Paulo, 2016.

 

Published in Artigos

Deixe um comentário

Lista de Espera

Curso: Conselheiras na Prática

Entraremos em contato quando abrirmos nova edição desse curso.

Lista de Espera

Curso: Governança Corporativa na Empresa Familiar

Entraremos em contato quando abrirmos nova edição desse curso.

Lista de Espera

Curso: Documentos Societários Importantes nas Empresas Familiares

Entraremos em contato quando abrirmos nova edição desse curso.

Lista de Espera

Curso: Desafios nas Empresas Familiares: como se preparar para o futuro?

Entraremos em contato quando abrirmos nova edição desse curso.

Lista de Espera

Curso: Governance Officer

Entraremos em contato quando abrirmos nova edição desse curso.