Um dos saudáveis hábitos que as famílias modernas tem perdido é o de dedicar algum tempo para contar histórias para seus filhos. Menos ainda o de usar momentos íntimos, tais como refeições, finais de semana ou férias, para conversar sobre a origem, fatos pitorescos e até as dificuldades que os familiares, e seus antepassados, viveram ao longo da sua existência.
Constatei esta situação a partir de dois fatos, sendo um de caráter estritamente pessoal, e o outro proveniente de uma pesquisa acadêmica sobre a importância, para as famílias, em compartilhar com os filhos as dificuldades vividas pelos familiares ao longo de sua história.
A questão pessoal decorre do fato de que cada vez que vou visitar os netos no exterior, e pergunto a nossa filha e genro, o que eles gostariam que eu levasse de lembrança para os mesmos, eles pedem que vá, apenas, com a disposição de sentar com eles e contar histórias. Sejam elas dos livros, inventadas ou de eventos e personagens da família.
A pesquisa, feita pelo Centro para o Mito e o Ritual na Vida Americana, da Universidade Emory, na região de Atlanta, com 40 famílias e ao longo de 2 anos, registrou e classificou as conversas familiares durante o jantar. Adicionalmente foram feitas entrevistas com pais e filhos, para avaliar a saúde emocional e o comportamento das crianças.
Entre as conclusões deste estudo ficou destacada a importância que as histórias contadas, bem como as suas escolhas e forma como são narradas, podem ter uma influência muito maior do que se imagina na formação da auto-estima e na capacidade de aprendizado dos filhos.
O que os pesquisadores estão descobrindo é que “a noção da história da família está ligada à auto-estima das crianças e à capacidade delas para enfrentar problemas. E, ao contrário do que podem pensar os adultos, nem sempre as melhores histórias são as que têm finais felizes. Em vez disso, as histórias de parentes às voltas com situações tristes ou difíceis podem passar a sabedoria e a visão de que as crianças precisam para atingir realização e sucesso”.
As conclusões da pesquisa mostram que as crianças que compartilharam as histórias e o legado familiar tendem a ganhar uma noção de identidade própria em relação a outros membros da família e ao passado, o que gera maior autoconfiança.
Segundo o professor Robyn Fiyush, responsável pela cadeira de Psicologia da Universidade de Emory,
“…as famílias que compartilham suas histórias familiares conseguem que seus filhos se saiam muito melhor, tanto na vida pessoal como profissional”.
O estudo e os seus pesquisadores recomendam, com bastante ênfase, que não se devem maquiar as emoções negativas, mas dar grande destaque à forma como os parentes lidaram com elas ao longo de suas vidas.
Ainda segundo o estudo de Atlanta, as famílias que descartavam eventos difíceis usando termos positivos, evitando as emoções negativas, educaram filhos com potencial acadêmico mais fraco, especialmente quando comparadas com as famílias que exploraram a tristeza, raiva ou pesar pelo que passaram.
Segundo o Professor Fiyush, da Universidade de Emory, é da maior importância “explicar as emoções, e não somente se afundar nelas”.
Ao analisarmos este conjunto de observações, à luz da realidade brasileira, é possível imaginar sua importância tendo em vista tanto nossa formação populacional, com todas suas características heterogêneas do ponto de vista cultural, como também no processo de fortalecimento de um vínculo com a história brasileira.
Transposto para o universo da vida privada das nossas diferentes famílias, podemos imaginar que, tanto para os empreendedores, que transformaram desafios em oportunidades de negócios, como para os profissionais que hoje se preocupam com o futuro dos seus filhos, estas experiências no processo de educação dos seus descendentes devem ser observadas com acentuado interesse.
Os empreendedores encontram nesta prática uma forma para darem continuidade ao seu legado, transformando sua família numa família empresária. E desta forma encaminhando um processo de sucessão muito mais completo e compromissado.
Os profissionais que compartilharem com seus filhos as suas histórias e descendência estarão preparando-os, de uma forma muito mais eficaz, para os desafios da vida. Tanto na perspectiva pessoal como profissional.
Embora sejamos, em algumas circunstâncias, um país de memória curta, devemos assumir o compromisso de evitar isto no âmbito das nossas famílias. E desta forma estaremos também contribuindo para um futuro melhor, tanto na perspectiva de país como também na qualidade de cidadãos.
E, com certeza, esta não é uma prática de difícil execução. Basta assumir um compromisso com o futuro.
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