Liderando o sistema da família empresária: É preciso uma aldeia inteira – Parte 1

liderança em empresa familiar

John A. Davis
Cambridge Institute for Family Enterprise

Hoje trazemos o artigo do Prof. John Davis da Cambridge Family Enterprise Group.

O título deste artigo refere-se a um provérbio africano (“It takes a village to raise a child” – É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança), que fala da importância da colaboração e do esforço necessários para realizar uma tarefa difícil.

Uma constatação persistente sobre os sistemas de famílias empresárias  – a própria empresa, seus proprietários e a família no controle – é que um bom desempenho da empresa, de longo prazo, também exige um bom desempenho da família e do grupo de proprietários. Não é possível manter uma empresa familiar com bom desempenho, ao longo de vários anos, concentrando-se apenas na própria empresa. A unidade familiar, a propriedade unificada e o suporte à propriedade da empresa são fatores importantes demais para serem ignorados ou considerados garantidos.

Sabemos também que o bom desempenho da empresa, do grupo de proprietários e da família depende da liderança efetiva de cada grupo. Isto não deveria ser uma surpresa: o bom desempenho de qualquer grupo depende sempre, até um ponto surpreendente, de líderes capazes. Se os conselhos de administração de empresas públicas não acreditassem que a liderança é tão importante, eles não pagariam salários tão elevados aos seus CEOs (a propósito, não acho que eles valham tanto assim, mas o ponto é: ter o líder certo é o que realmente importa).

Como não existe apenas a empresa, mas também um grupo de proprietários e uma família – que requer uma liderança capaz –, um sistema de família empresária é muito mais complexo que outros tipos de organizações empresariais. Liderar tais sistemas também é muito mais complicado.

Os sistemas de famílias empresárias incluem uma série de cargos formais de liderança. O CEO e o Presidente da Conselho lideram a empresa e, em geral, o grupo de acionistas. Os líderes do conselho de família, assim como pais e avós, são os líderes formais da família. Esses líderes formais não tomam todas as decisões importantes em tais sistemas, nem fornecem toda a orientação. Eles também não alocam todos os recursos. Mas como têm autoridade, influência e controle consideráveis sobre os recursos, confia-se neles para que façam sua parte ao direcionar e orientar seus grupos.

Considerando que o desempenho das pessoas nessas funções é muito importante para o desempenho do sistema de famílias empresárias, é preciso entender o que líderes capazes realmente fazem nos sistemas de famílias empresárias. Passei grande parte da minha vida profissional tentando entender essa tarefa.

Conheci vários excelentes líderes de empresas familiares em minha longa carreira, além de alguns fracos e alguns poucos realmente ruins. Para ilustrar meu perfil de um grande líder de sistema de empresas familiares, vou citar um dos meus exemplos favoritos – Nelson Sirotsky, presidente da RBS, empresa de mídia de classe mundial de sua família, sediada em Porto Alegre.

Conheci Nelson e seu primo Marcelo Sirotsky em um seminário que realizei sobre a gestão de empresas familiares na cidade de Santiago, em 1999. Desde então, tenho trabalhado com o sistema da família empresária dos Sirotsky. Nelson, Presidente da RBS e também líder de seu ramo familiar, participou de meu seminário para desenvolver planos voltados ao seu sistema de empresa familiar e reconsiderar sua própria função de liderança. À medida que o programa se desenvolvia, Nelson chegou a um novo entendimento. Ele percebeu que devia dar mais atenção à sua família e aos proprietários, a fim de acompanhar seu foco incansável sobre a empresa.

O que Nelson e sua família realizaram na década seguinte é algo impressionante. Em 2012, eles celebravam a bem-sucedida e tranquila transferência de Nelson de seu cargo de Presidente, aos 58 anos, para seu sobrinho Eduardo Melzer, um executivo bastante capaz de 40 anos. Nelson permaneceu como presidente do conselho, com claras responsabilidades. O grupo RBS é estável e está pronto para um desempenho ainda maior. Vicky Bloch, excelente coach e consultora,  ajudou-os também durante todo esse processo. Mas muito desse excelente trabalho foi resultado da compreensão de Nelson sobre seu papel como líder da empresa, da família e do grupo de proprietários, assim como de seu bom desempenho como líder.

O que me leva a uma pergunta que ouço com frequência: “É melhor ter um líder único do sistema da família empresária ou uma equipe de líderes?”

LIDERANÇA UNITÁRIA x EQUIPES DE LIDERANÇA

Há dois modelos básicos. Um sistema empresarial familiar pode consolidar a liderança em uma só pessoa ou escolher duas ou mais pessoas para liderar diferentes partes do sistema. Cada um dos dois modelos pode funcionar bem, desde que seja claro e apoiado pelas partes interessadas. Ambos os modelos têm alguns pontos fracos potenciais: a liderança unitária pode levar a excessos, enquanto equipes de liderança podem ser lentas e prejudicadas pela rivalidade.

Mas não há dúvida de que um dos modelos é dominante. Ter uma pessoa servindo como líder único da empresa, da propriedade e da família é a escolha natural para a maioria das famílias (e a maioria dos grupos não familiares) em todo o mundo.

A preferência por um só líder parece ser apenas ligeiramente orientada pela cultura; é muito comum na Itália, por exemplo, mas só um pouco menos comum na Finlândia – comparando duas culturas europeias que não poderiam ser mais diferentes.

Ademais, sistemas de um só líder são também um pouco mais comuns em sistemas de famílias empresárias mais jovens e menos complexos; tais sistemas estão ainda no estágio do fundador ou estão tentando imitá-lo. O parente-fundador-líder empresarial- proprietário controlador possui, em geral, grande parte do poder em seu sistema de empresa familiar.

À medida que os sistemas de famílias empresárias se aproximam ou alcançam o estágio da liderança exercida por primos, com negócios diversificados e grandes grupos de proprietários (como ocorre com a RBS atualmente), é possível encontrar mais sistemas com dois ou três líderes que controlam partes diferentes do sistema e colaboram entre si para manter o sistema unido. Sistemas em que a liderança é exercida por irmãos têm mais dificuldade em descobrir quem deve ter a função de liderança e poder.

Os sistemas de famílias empresárias têm várias funções formais de liderança.

O CEO e o Presidente do Conselho lideram a empresa e, em geral, o grupo de acionistas.

Os líderes do conselho de família, assim como pais e avós, são os líderes formais da família.

Com essas poucas exceções, o modelo de um só líder ainda domina em todos as regiões e em todos os estágios. A inércia mantém as famílias empresárias vinculadas a ele e, em algumas situações, há benefícios mensuráveis que inclinam a balança em favor da liderança unitária.

LIDERANÇA UNITÁRIA

Em geral, a pessoa escolhida para essa função é o líder da empresa. Em alguns casos, o líder do sistema da família empresária é o presidente da holding familiar e o líder óbvio dos proprietários da família. Normalmente, os líderes dos sistemas de famílias empresárias são as pessoas que têm mais recursos sob seu controle; costumam ser ainda pessoas de meia-idade ou as mais idosas da família. Os mais eficazes são apreciados por seu discernimento, mas não têm necessariamente a simpatia de todos os seus parentes. Líderes me dizem que têm um trabalho gratificante, mas difícil e muitas vezes ingrato.

Muitos líderes bem-sucedidos de empresas familiares me informaram que empregam metade de seu tempo trabalhando para tratar de questões de família e propriedade e para manter a união. Se o líder empresarial tentar controlar poder em demasia no sistema, ele acabará debilitando e destruindo o sistema. Até os fundadores parecem entender esse ponto. No estágio de fundador, vi muitas vezes esposas e mães exercendo um poder significativo sobre a família – além de influência significativa sobre o marido (o fundador), a quem ela aconselha.

Eis porque uma concepção precisa do modelo de líder único costuma mostrar que o líder único deve ter representantes ou aliados fortes, que ajudem a liderar a empresa, a família e o grupo de proprietários.

Reconhecendo as necessidades de seu sistema da família empresária, Nelson Sirotsky optou por manter o controle final, mas delegou grande parte da gestão do grupo RBS ao seu principal vice-presidente executivo, Pedro Parente. Nelson compartilhou ainda a liderança do grupo de proprietários com seu tio e Presidente, Jayme Sirotsky (que é também um líder exemplar). Nelson apoiou também o conselho de família e seus líderes, que fizeram muitos esforços para organizar e unificar sua grande família.

É preciso ter um ego robusto, não só para compartilhar a liderança, mas também dar crédito aos outros, como Nelson faz de maneira justa. É correto dizer que nenhuma mudança importante na empresa, na família ou no grupo de proprietários poderia ter sido feita sem o acordo de Nelson – mas também que o apoio de outros foi necessário para que os principais programas ou decisões fossem aprovados.

Houve conversas contínuas entre proprietários e familiares sobre questões importantes, que levaram a um consenso. O consenso nunca exigiu unanimidade, mas sim a sensação de que o processo de deliberação era justo – combinada à aceitação geral de que cada decisão era o melhor curso de ação possível na época, dadas algumas reservas.

O resultado, na RBS, foi um sistema decisório com forte apoio a Nelson, como líder único, pela família e pelos proprietários. Em sistemas de famílias empresárias bem-sucedidos, com liderança unitária, pode-se constatar que as decisões mais importantes são resultado de um processo de consenso como esse.

Não importa se o seu próprio sistema for modelado de acordo com uma liderança unitária ou de equipe: será preciso projetar, estruturar e alocar funções de liderança. Vou me concentrar nesse aspecto em meu próximo artigo.

Professor John A. Davis Fundador e Presidente, Cambridge Institute for Family Enterprise
Conferencista Sênior, Family Enterprise Programs, MIT Sloan School of Management

John A. Davis é globalmente reconhecido como pioneiro e autoridade em empresas familiares, em riqueza familiar e em family office. Ele é pesquisador, instrutor, autor e arquiteto das estruturas conceituais de maior impacto nesses campos, assim como consultor de importantes famílias ao redor do mundo. Ele também lidera os programas de empresas familiares da MIT Sloan School of Management. 

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