As empresas de controle familiar são maioria no mundo, representando uma fatia robusta entre 65% e 80% das empresas. Porém, apenas 30% delas sobrevivem a cada “passagem de bastão”1. A principal causa de insucesso é a sucessão, em grande parte precedida por conflitos de gerações.
As famílias empresárias enfrentam diferentes estágios de desenvolvimento que impactam diretamente sua condição de perpetuidade. Esse fenômeno é influenciado por fatores como a profissionalização da gestão, o planejamento sucessório e a governança corporativa.
Entendendo os estágios e conceitos.
As empresas familiares podem ter qualquer porte e configuração, desde microempresas, empresas médias e até grandes conglomerados com atuação local, regional, nacional ou internacional. Podem atuar em qualquer segmento de negócios, no comércio, na indústria e na prestação de serviços. Têm como foco a estrutura organizacional e os processos do negócio, sendo comum não utilizarem técnicas de governança.
As famílias empresárias bem-sucedidas, em geral, investem ou empreendem conjuntamente em uma ou mais empresas e/ou em novos negócios. Utilizam técnicas gerenciais, uma vez que o negócio familiar é profissionalizado e uma boa governança está instalada, com papeis e responsabilidades mais claros. Tem como foco as dinâmicas familiares e preservação do legado, além do negócio em si.
Famílias empreendedoras com alto poder aquisitivo, geralmente, passaram por um evento de liquidez (venda de uma empresa, de parte de uma empresa ou mesmo abertura de capital) e optam por manter um portfólio conjunto de investimentos (ativos financeiros, imóveis para aluguel, grandes propriedades de terra para arrendamentos etc.) geridos em um Family Office comum2. Ao refletirem a estratégia na gestão de seu patrimônio, pensam como investidores. Ou seja, possuem uma visão global do seu capital financeiro incluindo as empresas da família, as participações societárias, os imóveis, as fazendas e todos os seus bens e investimentos como parte do seu “portfolio”.
A principal diferença entre uma Família Investidora e uma Família Empresária3 está na relação que se cultiva com a empresa familiar que originou sua riqueza. Quando se tem o projeto de perpetuar a empresa com a família e a governança corporativa, pensa-se como Família Empresária. Já quando a família objetiva a longevidade do seu patrimônio de maneira ampla (seja ele qual for), a empresa familiar é percebida como investidora. Neste caso, a reflexão sobre como manter os interesses do núcleo familiar e da empresa, devidamente alinhados, torna-se uma constante.
Relacionando o patrimônio imobiliário com as dimensões da empresa.
A relevância do patrimônio imobiliário nas empresas familiares é multifacetada e impacta diretamente a gestão, a sucessão e a sustentabilidade desses negócios. O patrimônio imobiliário, frequentemente um dos ativos mais significativos de uma família empresária, desempenha um papel crucial na estratégia de longo prazo e na proteção do legado familiar.
Enxergamos que ele está presente no conceito dos 3 Círculos: da Família, da Propriedade e dos Negócios, desenvolvido por John A. Davis, que descreve a estrutura organizacional de uma empresa familiar.
O professor de Harvard defende que o sucesso dessas empresas está relacionado à boa interação desses três elementos. Cada círculo tem suas próprias dinâmicas, papéis e responsabilidades, e a interação eficaz entre eles é essencial para a sustentabilidade da empresa familiar.
O Círculo da Família4 trata das questões como relacionamentos, valores, tradições, legado, sucessão e desenvolvimento das gerações futuras. O objetivo principal deste círculo é preservar o bem-estar e o vínculo da família, garantindo que as decisões tomadas priorizem o interesse comum e não o individual. O Círculo da Propriedade trata das questões relacionadas à estrutura de propriedade ou ativos dessa família, direitos dos acionistas, governança corporativa, planejamento patrimonial, distribuição de dividendos e tomada de decisões sobre a empresa. O foco principal desse círculo é garantir uma gestão eficiente dos ativos da empresa e uma estrutura de governança sólida para proteger os interesses dos proprietários e a sucessão da propriedade de forma organizada para as próximas gerações. Por fim, o Círculo dos Negócios: lida com as operações diárias e a gestão da empresa. Aqui, são tratadas questões relacionadas à estratégia de negócios, estruturação de conselhos, gestão executiva, envolvendo todas as áreas funcionais da empresa. O objetivo deste círculo é garantir o crescimento e a rentabilidade do negócio, a geração de valor, a longevidade.
Assim, é importante estabelecer mecanismos de comunicação e colaboração eficazes entre os círculos, o que sugere a realização de uma agenda sistemática e organizada para abordar os temas necessários e pautados, o que deve ser elencado de acordo com as individualidades daquele núcleo familiar ou empresa.
Sua relevância se justifica no entendimento que o patrimônio imobiliário pode ser visto como “negócio”, “propriedade” e ainda o elo da “família”. Este elo, pode ser de laços fraternos, para convivência da família, transmitir valores intangíveis, assim como pode dele decorrer uma operação imobiliária para fonte financeira da família. Ou seja, para qualquer tipo de empresa familiar, independente do estágio de maturação, atividade ou localidade, a presença e tratativas do patrimônio imobiliário é pauta recorrente no âmbito das três dimensões da família empresária.
Proteção Patrimonial
O patrimônio imobiliário serve como uma forma de proteção contra riscos financeiros e reveses da economia. Imóveis podem ser utilizados como garantias em financiamentos ou servir como reservas de valor em tempos de instabilidade econômica.
Imóveis bem localizados e geridos podem gerar receitas significativas através de aluguéis ou valorização ao longo do tempo. Essa renda pode ser reinvestida no negócio ou utilizada para fortalecer a posição financeira da família, permitindo maior flexibilidade em decisões estratégicas.
Organização do patrimônio.
O planejamento sucessório é fundamental para garantir a continuidade dos negócios familiares. A gestão desse patrimônio deve ser parte do planejamento, assegurando que os imóveis sejam transmitidos de maneira eficiente entre as gerações. Isso ajuda a evitar conflitos familiares e facilita a divisão equitativa dos bens.
No âmbito da governança, o primeiro passo do Planejamento Sucessório é a organização patrimonial. Mesmo havendo uma estrutura predeterminada, é necessário averiguar se a forma utilizada está condizente com os propósitos atuais do negócio.
A organização deve ser realizada sob medida para aquele determinado patrimônio, pois para cada espécie de bem pode ser mais eficiente e proveitosa financeiramente a sua alocação em um tipo de estrutura pré-determinada.
Uma estratégia que tem ganhado destaque é a formação de holdings imobiliárias, que permitem a concentração dos bens em uma única entidade legal. Isso não só facilita a gestão patrimonial, mas também oferece vantagens tributárias e proteção dos ativos familiares. Uma holding pode servir como um veículo para administrar imóveis destinados à locação, proporcionando uma estrutura mais eficiente para os proprietários.
Recentemente publicada, em 16/09/2024, a Lei nº 14.973 trouxe diversas alterações na legislação tributária federal, das quais destacamos os arts. 6º a 8º, que permitem às pessoas físicas ou jurídicas atualizarem o valor de bens imóveis para o valor de mercado, e que acabam de ser regulamentados pela Instrução Normativa RFB nº 2.222, de 20/09/2024, mesmo antes de qualquer venda.
Com efeito, segundo o dispositivo, no caso de alienação ou baixa de bens imóveis sujeitos à atualização antes de decorridos 15 anos após a atualização, o valor do ganho de capital deverá ser calculado considerando uma fórmula, que nos traz, em síntese, que quanto maior o tempo de permanência do imóvel no patrimônio do contribuinte, maior o desconto sobre o futuro ganho de capital5.
Analisando os regramentos e benefícios propostos, cabe recomendar que as pessoas e empresas proprietárias de bens imóveis realizem, com o auxílio de profissionais especializados, simulações de cenários e cálculos para constatar a efetividade do benefício proposto pela Lei nº 14.973/24 para cada bem imóvel. A constatação das reais vantagens da opção deve ser verificada caso a caso.
Considerações Finais
A governança corporativa é essencial para gerenciar o patrimônio imobiliário de forma eficaz. A falta de regras claras pode levar a conflitos entre os membros da família, especialmente quando se trata da gestão e uso dos bens imóveis. Implementar conselhos consultivos ou de administração pode ajudar a alinhar interesses e promover uma gestão mais profissionalizada.
Tendo repertório profissional relacionado ao mercado imobiliário, reforço a relevância desse capítulo no que tange a bens imóveis da família, esteja ela em qualquer dos estágios apresentados inicialmente (empresária ou investidora). A apuração dos devidos valores, a forma de distribuição entre os herdeiros e ou formatos jurídicos de estruturação, merecem atenção e expertises técnicas.
Como escreveu Peter Drucker, “não podemos prever o futuro, mas podemos criá-lo”.
Cabe ainda destacar que esse patrimônio tende a valorizar ao longo do tempo, e as famílias empresárias que investem adequadamente com esse objetivo podem se beneficiar dessa valorização. Um portfólio imobiliário bem gerido não só contribui para o fluxo de caixa da empresa, mas também aumenta seu valor total no mercado.
Assim, o patrimônio imobiliário é um componente vital para famílias empresárias, podendo ser parte de cada dimensão da empresa: a família, propriedade e negócio. Oferece proteção, oportunidades de geração de renda e um papel crucial no planejamento sucessório. Para maximizar esses benefícios, é essencial que as empresas implementem práticas robustas de governança, adaptem-se às mudanças tributárias e planejem cuidadosamente a transmissão dos ativos entre gerações. Dessa forma, as empresas familiares podem garantir não apenas a preservação do patrimônio, mas a sua valorização financeira, conectando legado e perpetuidade.
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