Em conversas com líderes de empresas nos últimos anos, notei que existe um desalinhamento sobre o que significa a famosa Transformação Digital.
Muitas empresas, através de sua liderança, vêem a Transformação Digital de forma equivocada ou incompleta. Aqui eu dou alguns exemplos:
- Têm a necessidade de lançar um App, um Bot, Inteligência Artificial ou ainda NFTs como o objetivo final e não como o meio para alcançar algo maior;
- Muitos acreditam que a Transformação Digital se trata apenas de aquisição de novas tecnologias, quando na verdade a tecnologia é apenas uma parte da transformação e não necessariamente temos que começar por aí;
- Acreditam que transformar-se digitalmente necessariamente custa muito caro. Nem sempre!
- Acreditam que a Transformação Digital e Inovação são a mesma coisa.
- Que a Transformação Digital é liderada somente por alguém muito técnico, alguém de TI, um CTO ou engenheiro… Mas o melhor olhar é a combinação que passa pelo olhar comercial com centralidade no cliente, pessoas, dados e tecnologia.
Pois bem, tentando desmistificar esse termo, a Transformação Digital é um grande Iceberg e na parte visível acima da superfície aparece aquilo que dá audiência, como os aplicativos, as automações, chat bots, etc.
Essas tecnologias são vistas como chamariz para mostrar que a empresa está atualizada e tem cara de inovadora para melhorar a reputação da marca. Por isso muitas vezes a tecnologia é vista como o objetivo fim e não meio.
Porém, quando submergimos para o fundo do oceano vemos que a história não é bem assim e o Iceberg é muito maior lá embaixo.
Lá embaixo, vemos a necessidade primordial de renovar a forma como as empresas lidam com a informação. Pois é disso que se trata a Transformação Digital. Relembrando as minhas aulas no curso de engenharia elétrica, como sistemas digitais, circuitos lógicos ou computação, os dígitos são formas de codificar a informação e trafegá-la de forma mais rápida pelos sistemas. Velocidade e informação são as palavras-chave desse processo.
A Transformação Digital serve para as empresas se tornarem mais rápidas em suas adaptações frente às necessidades do mercado. A forma de consumo muda a todo instante, vence quem estiver mais preparado para se adaptar. Da mesma forma, as expectativas das novas gerações no mercado de trabalho são outras. A velocidade que uma empresa tem para se adaptar às exigências é uma vantagem competitiva para conquistar e reter talentos. A exemplo, em função da pandemia, parte das pessoas só buscam trabalhos remotos ou flexíveis.
Aprofundando-se mais um pouco, muitas empresas não sabem lidar com dados. Como capturar e salvar dados dos seus clientes ou de potenciais clientes? Quais são as informações relevantes que devemos ter e como usá-las para entregar uma melhor experiência aos nossos clientes? Temos um sistema de CRM (Customer Relationship Management) adequado?
Respondendo essas perguntas podemos construir um funil de vendas que torna as equipes comerciais mais eficientes, sabendo quando, como e quem abordar. Isso se trata de eficiência.
Com essa capacidade de trabalhar dados também medimos a jornada do cliente. Saber quais são as jornadas do cliente é fundamental para melhorar a experiência, identificar gargalos, oportunidades de automatização e oportunidades de melhorias em produtos.
Como vivemos num mundo exponencial, a quantidade de informação gerada por minuto cresce assustadoramente. Para lidar com esse volume de dados é necessário o uso de tecnologia. Big Data e Inteligência Artificial são exemplos. O primeiro é a coleta e organização de grandes bases de dados, já a I.A. se trata de análises e insights de grandes volumes de dados. A I.A. ajuda a fazer uma análise combinatória de múltiplas opções, coisa que o ser-humano não é capaz. É um sistema probabilístico e não determinístico como a maioria das pessoas pensa. Às vezes, um analista ou cientista de dados pode te economizar um punhado de vendedores.
Portanto, a mensagem é que a tecnologia deve ser vista como uma facilitadora e não uma substituta para nós.
Essas ferramentas estão deixando de ser uma vantagem competitiva para ser uma questão de sobrevivência.
Avançando, qual é a cultura interna da sua empresa? É uma cultura verticalizada super engessada, onde analistas não têm abertura com diretores, apenas com seus gerentes diretos?
Culturas e organizações ágeis fazem parte desse processo de transformação. Não adianta investir em tecnologia se existe uma demora organizacional para uma informação chegar até um diretor decisor. Muitas empresas ainda exigem múltiplas reuniões, camada a camada, para fazer as informações relevantes chegarem ao seu destino final.
Empresas ágeis têm estruturas organizacionais autônomas. Melhor que esperar a decisão ser tomada pela alta gestão é ter as decisões sendo tomadas por indivíduos ou por colegiados de profissionais multidisciplinares ainda no início ou meio da pirâmide hierárquica. Exemplos de colegiados são os squads ou grupos autônomos de engenheiros, gerente de produto, analistas e pessoas de vendas que conseguem deliberar sobre uma alteração de produto sem necessariamente chegar até o VP de Produto. Esse também é um exemplo de como fazer a ponte entre o lado técnico e comercial de forma rápida e eficiente.
Claro que os níveis e tipos de decisões podem ter alçadas, mas quanto menos restrições e regras, mais velocidade.
Um exemplo de times autônomos é o modelo da empresa Buurtzorg que criou times de enfermagem que possuem o nível de autonomia de contratar ou dispensar os próprios colegas. O modelo ganhou notoriedade pelo baixo custo trazido em função da baixa hierarquia num modelo muito horizontal e um backoffice pequeno.
Backoffice é igual a burocracia, quanto maior for seu time de backoffice, maior é a burocracia e a sua lentidão para se mover.
A mentalidade incentivada é também um ponto chave. Cada um dentro da organização deve saber qual é a estratégia e o que é preciso para chegar lá. Todos devem saber da importância da coleta e organização dos dados. A exemplo, um vendedor tem que saber para que serve todos aqueles dados cadastrais que ele está preenchendo no sistema. Se ele não souber para que ele está fazendo isso, ele não terá a motivação para fazê-lo e poderá fazer de forma errada, incompleta ou simplesmente deixar de fazer.
Como os colaboradores são incentivados e premiados é outra alavanca para tornar uma empresa ágil. Você pode incentivar um colaborador de marketing a fazer uma campanha no Instagram ou pode incentivar o mesmo colaborador a trazer leads qualificados de vendas. Isso faz uma gigantesca diferença.
As pessoas são incentivadas à tomada de riscos e à criatividade? A Transformação Digital não significa Inovação, mas ambos são indissociáveis. Para inovar é necessário um ambiente propício. Uma cultura em que os erros são vistos como formas de cair, se levantar rapidamente e aprender, sem punição, ajuda a permear um ambiente para inovação. A inovação exige a experimentação.
Implementar métodos de avaliação como OKRs (Objective Key Results) é uma forma de colocar a empresa toda direcionada para a mesma estratégia, com velocidade e em direção à centralidade no cliente.
Todos esses aspectos mencionados, cultura, estrutura organizacional, mentalidade, estratégia, tecnologia, capacidades de lidar com dados, podem ser mensurados para compor o que chamamos de maturidade digital da sua empresa.
Segundo um estudo da McKinsey (Transformações digitais no Brasil: insights sobre o nível de maturidade digital das empresas no país), “empresas líderes em maturidade digital no Brasil alcançam taxa de crescimento do EBITDA até 3 vezes maior que as demais empresas”.
Podemos medir e quantificar em cada aspecto onde está o maior gap da empresa, se está em Dados e Analytics, em Governança, Estrutura, Cultura… e a partir daí endereçar as ações necessárias para começar a transformação da sua empresa.
Quão madura é a sua empresa digitalmente?
A Transformação Digital é o caminho para trazer as empresas para mais perto de seus clientes e colaboradores, entendendo comportamentos e criando rapport mais rapidamente e saindo na frente da concorrência. Isso é criação de valor.
Contudo, esse processo começa ali abaixo do nível do oceano onde o iceberg é maior e mais pesado, olhando para os aspectos humanos, como aspiração ambiciosa, visão de longo prazo, talentos, governança, agilidade, colaboração, entre outros.
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