Planejamento Sucessório em Empresas Familiares: garantindo a continuidade do negócio através de cláusulas do Contrato Social

1. Introdução

Cerca de 90% das empresas ativas no Brasil são familiares, representando 65% do PIB nacional e empregando 75% da força de trabalho (Sebrae).2 No entanto, apenas 12% dessas empresas chegam até a terceira geração, conforme estudo realizado pela PWC Brasil em 2016. Muitas encerram suas atividades após a morte do fundador, incapazes de se adaptar ao mercado sem seu líder.3 Ocorre que a grande maioria dessas empresas não se prepara para o momento do falecimento de sócio.

Um dos modelos societários mais adotados por famílias empresárias é a Sociedade Limitada, pois oferece flexibilidade e autonomia na estrutura societária. Esse modelo permite a inclusão de cláusulas específicas no Contrato Social para administração e sucessão do negócio, incluindo a previsão de falecimento de sócio e possibilidade de ingresso dos herdeiros na empresa.

A legislação civil brasileira não oferece uma regulamentação completa para as diversas possibilidades de sucessão em Sociedades Limitadas, mas concede aos sócios a autonomia para definir esses aspectos no Contrato Social, desde que respeitadas as normas de ordem pública. Sendo a morte de sócio um evento futuro certo, embora não se saiba o momento em que ocorrerá, é possível que o evento traga diversas e complexas consequências à sociedade limitada, como demonstram os dados apresentados aqui. Essas consequências podem, dentro da legalidade, ser previstas antecipadamente em Contrato Social, como expressão da autonomia dos sócios.4

2. Cláusulas de previsão das consequências do falecimento de sócio na sociedade

Uma das cláusulas mais importantes do Contrato Social deve ser a previsão de falecimento de sócio. É indispensável que os sócios prevejam no ato constitutivo da sociedade como desejam lidar com as consequências do falecimento de qualquer um deles, especialmente do sócio administrador.

Assim, recomenda-se que o Contrato Social da sociedade limitada contenha cláusula específica sobre a hipótese de falecimento de sócio, de forma a indicar se será autorizado o ingresso de herdeiros no quadro social, em sub-rogação às quotas sociais do sócio falecido, ou não. É importante, ainda, que o ato constitutivo da sociedade preveja a hipótese de substituição ou representação do sócio administrador falecido, para que as atividades empresárias não sejam obstadas em razão do falecimento do administrador.5

Caso os sócios optem por restringir a entrada de herdeiros na sociedade, é importante que deixem registrado no Contrato Social a forma e prazo para pagamento dos haveres. Na ausência de cláusula específica, determina o Código Civil, em seu artigo 1.031, a liquidação da quota do sócio falecido calculada com base na situação patrimonial da sociedade, verificada em balanço especialmente levantado. Nesse sentido, o Código de Processo Civil prevê que o valor patrimonial da sociedade deve ser apurado mediante balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.

Na omissão do Contrato Social, determina a legislação civil que o pagamento dos haveres deverá ser realizado pela empresa aos herdeiros no prazo de 90 dias, em dinheiro. Tal determinação pode por vezes inviabilizar a continuidade das atividades da sociedade, que pode não ter liquidez para fazer o pagamento em prazo exíguo. É possível, pois, que o contrato social preveja prazo diverso para pagamento, em prestações sucessivas, por exemplo, ou em dação em pagamento, através da entrega de um bem específico.

3. Cláusulas de previsão das consequências de retirada de sócios e sócios herdeiros

O Contrato Social da sociedade limitada pode ainda se valer de cláusulas a respeito da compra e venda de participações societárias. Embora tradicionalmente utilizadas por sociedades anônimas, nada impede que a sociedade limitada se beneficie das mesmas cláusulas, especialmente quando houver previsão, no Contrato Social, de aplicação supletiva da Lei das S.A.6

Assim, o ato constitutivo pode proteger a sociedade familiar através de mecanismos, prevendo a possibilidade de retirada de sócio, inclusive de sócios herdeiros. Pode o Contrato Social prever cláusula que garanta ao sócio majoritário o direito de adquirir as quotas do sócio minoritário que deseja se retirar da sociedade, chamada cláusula de “call option”, bem como pode-se prever o direito de o sócio minoritário alienar as quotas ao sócio majoritário, que fica obrigado a adquiri-las, chamada cláusula de “put option”. Tais cláusulas podem ser utilizadas com o objetivo de garantir que as participações societárias fiquem restritas ao grupo familiar, evitando o ingresso de terceiros na sociedade.7

Semelhante ocorre com a cláusula de “tag along”, que prevê o direito de o sócio minoritário vender as participações societárias em caso de alienação das quotas pelo sócio majoritário. Ao revés, a cláusula de “drag along” garante o dever de venda ao sócio minoritário conjuntamente com o sócio majoritário. Tais cláusulas ampliam possibilidades de aquisição de controle da empresa, possibilitando que os sócios não tenham de conviver com sócios estranhos ao grupo familiar adquirente.8

Parece relevante, ainda, que o Contrato Social da sociedade familiar limitada regule o direito de retirada de sócio, possibilitando a preferência na aquisição das quotas aos demais sócios, bem como a não concorrência no mesmo ramo e em prazo determinado, protegendo, assim, a sociedade familiar.

4. Conclusão

Como visto, a sucessão societária nas sociedades limitadas envolve uma delicada interação de interesses entre herdeiros, sócios e a própria empresa. É essencial que o planejamento da sucessão de sócio, expresso no Contrato Social, leve em consideração a vontade dos herdeiros de ingressar, ou não, na sociedade, bem como a aptidão para a continuidade do objeto social.

A legislação civil brasileira não prevê com exatidão toda a complexidade do falecimento de sócio em sociedade limitada, mas autoriza que os sócios prevejam a hipótese e suas consequências em Contrato Social. Assim, a adoção de cláusulas de planejamento sucessório no ato constitutivo da sociedade limitada, além de lícita e válida, é altamente recomendável, garantindo maior previsibilidade aos sócios e aos herdeiros, e proteção à sociedade.

Referências

BRASIL. Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Empresas Familiares. 2017. Disponível em: https://bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/1a5d95208c89363622e79ce58427f2dc/$File/7599.pdf. Acesso em: 09 dez. 2021.

CANTALI, Rodrigo Ustárroz. Saída conjunta da participação societária: entre voluntarismo e compulsoriedade em cláusulas de compra e venda conjunta de ações. Revista semestral de Direito Empresarial, nº 29, jul./dez.2021. Rio de Janeiro: Renovar, p. 45-74, 2007.

CARVALHOSA, Modesto. Acordo de acionistas: homenagem a Celso Barbi Filho. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

FLEISCHMANN, Simone Tassinari Cardoso. PITUCO, Alice Pagnoncelli. Mínimo essencial de segurança sucessória: cláusulas societárias lícitas com efeitos post mortem nas sociedades limitadas. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 83, pp. 485-510, jul./dez. 2023

PAOLINI, Marcelo Trussardi. Planejamento sob Medida: soluções societárias que viabilizam a Sucessão. In: PRADO, Roberta Nioac. Empresas familiares e famílias empresárias: governança e planejamento jurídico e sucessório. São Paulo: Quartier Latin, 2019.

PITUCO, Alice Pagnoncelli. Planejamento Sucessório na Empresa: O Contrato Social da Sociedade Limitada como Instrumento de Planejamento Sucessório. Londrina: Thoth, 2024. p. 26

PWC, PriceWaterhouseCoopers Brasil LTDA. Pesquisa Global de Empresas Familiares 2016. Brasil. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/setores-atividade/pcs/2017/pesquisa-global-empresas-familiares-2016.html Acesso em 09 dez. 2021.

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