A falta de previsão de alternativas em casos de saída de sócios e formas de pagamento de haveres podem levar uma empresa à falência
As empresas familiares exercem suas atividades em um mercado dinâmico. Além de estarem sujeitas a mudanças externas e à necessidade de adaptação contínua ao mercado, ainda estão suscetíveis a alterações internas, como a saída, o falecimento e a incapacidade de sócios.
A alteração no quadro de sócios de uma empresa, seja por falecimento do sócio ou mesmo por saídas voluntárias – afinal, ninguém é obrigado a manter-se associado contra sua vontade –, envolve o pagamento de haveres ao sócio retirante ou aos herdeiros do sócio falecido, ou seja, nesse momento, é inevitável certa descapitalização da empresa, pois será necessária a apuração do valor das quotas do sócio e seu pagamento a quem de direito.
Nesse sentido, idealmente, a descapitalização deve ocorrer de maneira controlada e sem prejudicar a continuidade da atividade empresária. A dinamicidade do quadro de sócios de uma empresa é previsível, então, não há outra conclusão senão a de que é função dos sócios prevê-la e preparar-se para quando estiverem diante da situação.
Imaginando-se um caso hipotético em que os sócios não previram no contrato social como serão apurados os haveres dos sócios retirantes ou falecidos, ocorrerá a aplicação do artigo 1.031, § 2º, do Código Civil, segundo o qual o pagamento dos haveres deve ocorrer à vista no prazo de 90 dias contados a partir do momento em que seja atribuído valor líquido e certo às quotas.
Não é necessário discorrer muito no sentido de que a previsão legal é extremamente prejudicial às empresas, as quais, caso tenham de pagar as quotas à vista em 90 dias, podem se ver totalmente descapitalizadas ou até mesmo à beira de uma falência. Entretanto, a própria lei prevê que sua disposição apenas será aplicada se não houver disposição contratual em sentido contrário. Isso significa que, se os sócios se prepararem e previrem outra forma de pagamento dos haveres no contrato social da empresa, prevalecerá o que foi por eles pactuado.
No contrato social, os sócios possuem liberdade para dispor da forma como quiserem acerca da apuração e do pagamento dos haveres. É possível dispor sobre critérios de avaliação das quotas e também sobre as formas de pagamento, podendo ser previsto um parcelamento ou até mesmo o pagamento em bens.
Essa clareza procedimental pode facilitar o andamento de um eventual processo judicial, ao passo em que o magistrado terá parâmetros para aplicar ao caso concreto. Afora isso, a clareza pode inclusive tornar desnecessário o processo judicial, já que as partes envolvidas possuirão todas as diretivas sobre como proceder nessa situação.
Nosso escritório trabalhou em uma situação na qual uma das sócias de uma empresa familiar faleceu deixando herdeiros. Como os herdeiros não pretendiam participar da empresa e o contrato social era omisso com relação ao pagamento de haveres, seria aplicável a regra legal do pagamento à vista em 90 dias. A empresa se viu em situação de risco, pois não havia disponível em caixa o valor para pagamento à vista, isto é, ela poderia “quebrar”. Entretanto, havia bens disponíveis, que, se aceitos pelos herdeiros, poderiam pagar os haveres sem descapitalizar excessivamente a empresa.
Considerando que nessa situação o contrato social era omisso, os herdeiros não precisariam aceitar receber os haveres em bens. Todavia, foi possível viabilizar um acordo entre as partes, de forma que parte dos haveres foi paga em bens e o restante em dinheiro.
Dessa maneira, não foi necessário o ajuizamento de uma demanda, mas, caso houvesse sido trilhado esse caminho, não restaria alternativa à empresa senão pagar os haveres à vista em 90 dias, mesmo com risco de falência.
Sabe-se, no entanto, que nem sempre as partes estão empenhadas na conciliação. Assim, a melhor forma de garantir a longevidade das empresas, sobretudo das empresas familiares, é possuir um contrato social completo e que preveja, dentre diversas outras questões, um procedimento para a apuração e o pagamento de haveres de sócios que, por qualquer motivo, deixem de participar do quadro societário.
Autoras:
Anna Caroline de Lima Escolaro
Advogada, graduada pela Universidade Positivo em Curitiba/PR e Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional em Curitiba/PR. Membro dos grupos de estudos sobre Fintechs e Criptomoedas da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB/PR). Sócia do escritório Souza Pereira Advogados em Curitiba.
Monique de Souza Pereira
Membro do GEEF – Grupo de Estudos de Empresas Familiares – FGV/SP e associada do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. É formada em Direito pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ, especialista em Direito Tributário pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ/RJ, em Fiscalidad Internacional? Universidad de Castilla-La Mancha/Espanha, em Fusões e Aquisições, Reorganizações Societárias e Due Diligence e Direito Societário – FGV/SP e consultora de Empresa Familiar pela Universitat Abat Oliba CEU, Barcelona/Espanha. Sócia do escritório Souza Pereira Advogados em Curitiba.
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