Redes de Pertencimento: O Papel Humano nas Empresas Familiares

 

Venho de uma família de humanistas, advogados em sua maioria, mas também poetas, médicos, professores, curioso é que nenhum é empresário. Todos trilharam seu caminho de alguma maneira ligados ao Estado. O que era muito comum no século passado e de alguma maneira tiveram uma velhice digna, sem luxo, mas permitiram que os seus descendentes tivessem uma educação de base em escolas privadas criando oportunidade de ingressar no terceiro grau, almejando por uma escolha de futuro de acordo com suas vontades próprias. 

Foi no meu segundo casamento que passei a conviver intensamente com famílias empresárias de diversas atividades, de porte médio e grande, mas principalmente por um “mindset” totalmente diferente daquele que convivi por toda minha vida. A ótica do Estado é totalmente diferente da ótica do mundo privado/empresarial. Claro que isso não é novidade para você leitor, mas para mim foi aos 30 anos. 

O que me causou – e acho que ainda causa – no alto dos meus 52 anos, um certo conflito interno pelas teorias e paradigmas aprendidos e vivenciados em casa e na faculdade, inclusive na área de direito contencioso onde atuei por alguns anos, sempre com a presença do Estado acima de nossas cabeças disciplinando, legislando, cuidando, fornecendo, incentivando, propiciando… o que mesmo??? Pois é… então começaram os questionamentos internos, comparações e ponderações sobre as certezas que tinha sobre aquilo que o Estado “vende” para seus eleitores/cidadãos, nem sempre é o que ele entrega. No entanto há uma gama da sociedade que entende e resolveu seguir por um outro caminho, extremamente inovador, audacioso, diferente, e aqui no Brasil com bravura extra, haja vista toda insegurança jurídica que estamos vivenciando nestes tempos. 

Esse novo universo que passei a frequentar tem diversas curiosidades e especificidades sejam nos papeis que cada um exerce, como nos sentimentos que estes papeis fazem brotar nos corações destes atores e daqueles que fazem parte do seu mundo – família e empresa. 

Imaginemos uma situação ideal: Um pai, no papel de pai, adorando, dando amor e carinho nos dias comuns, trazendo o pão nosso de cada dia, pagando as despesas, viagem com amigas, cinema, ensinando do básico a ser um ser humano melhor, mas também brigando, dizendo NÃO, você não é todo mundo, colocando de castigo, … e de repente realizamos que ele tem um outro, e novo papel para seu filho: o de dono do negócio. 

Uma vida paralela onde a posição dele norteia a vida de vários seres humanos, sua opinião, seu olhar, sua forma de condução, suas ideias, seus destemperos, suas agonias, seus medos, suas alegrias, conquistas e vitorias se tornam parte de um outro ser humano que até então não conhecia. 

Bem-vindo ao mundo adulto empresarial. 

Esse papel certamente já foi vivido por você, ou talvez tenha assistido de um parente próximo. Família e empresa apesar de estarem fisicamente em dimensões diferentes, precisam caminhar juntas. Porém muitas vezes há um emaranhado de sentimentos, emoções complexas dentre os relacionamentos que entrelaçam aquele grupo familiar onde seus caminhos buscam a prosperidade da empresa e da família, o que nem sempre acontece de forma simples e sem conflitos. 

O conflito é inerente ao ser humano, às suas relações e da vida. Vem do latim conflictu: “embate dos que lutam, discussão acompanhada de injurias e ameaças; desavenças, o elemento básico determinante da ação dramática, a qual se desenvolve em função da oposição e a luta entre diferentes forças.” ( FERREIRA, 1986:363). 

Pensemos nos vários tipos de conflitos que nos rodeiam: de interesses, de necessidades, de opinião, conforme observado por Hogson (1966:206) inclusive aqueles que possuem uma natureza totalmente amigável, de forma que nem leve os participantes a pensarem em termos do conflito. Nesta linha, podemos inserir os conflitos de geração no âmbito das empresas familiares. 

Novamente, voltemos ao exemplo do pai Ideal, aquele que nos ama acima de tudo… Conforme vamos amadurecendo e formando nossas opiniões, começamos a entrar num suave questionamento amigável, sem nos dar conta que estamos entrando no terreno fértil do conflito. Digo fértil porque é saudável estar em diálogo – e não em monólogo – essa troca é extremamente profunda para pais, filhos e netos se conhecerem. 

A forma como nos colocamos (todos os lados) à oposição de nossas ideias fará toda diferença nesta troca de opiniões. Onde não necessariamente devo pensar como meu pai, meu tio, meus avós e até mesmo meus pares de geração – irmãos, primos – a experiência nos mostra que pensar e ser diferente não é errado, mas muitas vezes complementar. Descobrindo como o outro pensa, escutando-o com atenção nos faz experimentar um novo lugar do qual nunca estivemos antes. Posso gostar ou não deste lugar, ou seja, discordar no todo ou em parte ou ainda concordar em gênero número e grau, mas devo entender o porquê não concordo e explicar por que não concordo. Desta forma, esclareço minhas ideias, e também permito que meus familiares se sintam legitimados em seus aportes e participações. 

Sei que não é tão simples, nem mágico. Mas é um começo correto, limpo, equilibrado. 

Os dilemas presentes entre os conflitos geracionais nas empresas familiares não são apenas conflitos de interesse entre empresa e família no presente, dado pelo relacionamento ideal onde pai ama o filho. Muitas vezes é marcado pela ausência, paterna, pela falta de credibilidade do filho, por problemas no casamento, novos casamentos/segundas núpcias, filhos de vários casamentos, falecimento precoce, problemas de drogas, doenças congênitas, temperamentos introspectivo ou imperativo, ou a falta de vínculos saudáveis que não foram construídos ou desenvolvidos nestas relações presente e passadas, dentre outras tantas. 

Estas questões fazem parte vida das organizações familiares em paralelo aos resultados financeiros e a eficiência do negócio – que passam de tempos em tempos por profundas mudanças na sua cultura e identidade – o que é determinante para a longevidade do negócio, mas também para uma convivência saudável entre os membros familiares. 

Dentre esses membros existem alguns que gostaria de jogar luz, pois entendo serem seres especiais que trabalham no escuro, nas horas vagas, nos conhecem pelo avesso e estão sempre ao nosso lado, apesar de nem sempre do nosso lado. 

Quem são esses seres que não conhecem do negócio, não são acionistas, não exercem nenhuma função executiva, não tem dinheiro investido na empresa, podem ser parentes, antigos funcionários da empresa, uma babá que te criou, um amigo próximo, mas vivem as emoções, frustrações, alegrias e desapontamentos com o vai e vem dos movimentos que afetam os negócios das famílias empresárias? 

Essas pessoas compõem a “rede”. Uma gama de indivíduos que estão umbilicalmente ligados a estas famílias empresárias dando suporte nas piores horas, chorando de alegria nas conquistas, sendo ouvintes das ideias, dando conselhos, apaziguando ânimos,… Podem ser a esposa, a(o) avó(ô), a(o) sogra(o), antigos funcionários da empresa, uma babá que te criou, uma amigo próximo, uma amiga de infância até… São essas pessoas que nos fazem refletir durante a noite, muitas vezes colocando “panos quentes” numa discussão acalorada, ligando ocasionalmente para “medir” a temperatura dos ânimos, promovendo almoços e encontros para lembrar que, ANTES DE TUDO SOMOS UMA FAMÍLIA. 

Nas palavras de Tania Almeida (p.237, 2014), o papel das redes de pertinência vem sendo estudadas pela sociologia e antropologia por sermos seres sociais e gregários, ou seja, o sentimento de pertencimento que temos são muito importantes para nossa sobrevivência. 

Basta lembrarmos dos diversos grupos sociais que pertencemos: na escola, nos esportes, nos amigos, na religião, no clube, no bairro, sendo a família nosso primeiro e para alguns, o mais relevante nicho. 

Cada segmento é caracterizado por costumes ou regras que muitas vezes são impostas, outras servem como diretrizes a serem seguidas. Sendo certo que, para se perpetuarem ou terem adesões há uma similaridade nas ideias e em valores comuns. São justamente essas redes que nos acolhem quando mais necessitamos, nos ajudam, como também nos critica(m) emitindo sua opinião sobre o que pensa(m) ou como deveria conduzir determinada situação. 

Num momento de conflito a rede social se organiza formando um suporte ao caso, escutando, contrapondo, alertando, criando opções, olhando para o futuro e lembrando do passado, auxiliando ao narrador as diversas alternativas sobre como as coisas devem ser e ocorrer. 

Há redes mais contemporizadoras que buscam a autocomposição, outras com perfil mais aguerrido direcionam para o confronto. A importância das redes sociais na existência das famílias e suas empresas se mostra na medida em que muitas delas auxiliam nas decisões a serem tomadas, um conforto quando parentes dentro da empresa são expostos ou se sentem desconfortáveis, pouco prestigiados, ou optam por um caminho que vai de encontro ao costume daquela empresa ou família. 

Por vezes as redes além do suporte dão sustentabilidade a algumas mudanças propostas, relembram atitudes do passado, motivam e encorajam ações não tão somente daquele que narra a estória, mas de todos aqueles que fazem parte do processo negocial. Muitas vezes se mostram parte fundamental da solução, entretanto, por vezes, elas também são parte essencial à ausência de solução. 

Este artigo encoraja as relações familiares e de suas empresas pelo gesto humano. Num mundo onde as relações humanas, vem perdendo espaço para “Inteligência Artificial”, encontrei um propósito para escrever algumas linhas sobre pessoas coadjuvantes em nossas vidas, que muitas vezes tem um papel crucial nelas. 

Sendo certo que a rede social existe e faz parte da família empresária. Saibamos, aproveitar, desfrutar e contar com ela para o sucesso da empresa e da harmonia da familia. Bom proveito!

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