Talvez poucos tenham conhecimento, mas existe no Brasil em torno de 21 milhões de empresas ativas (isso em 2018 quando o artigo foi escrito), sendo que desse total, 26,71% são sociedades limitadas. Ou seja, das sociedades pluripessoais, as sociedades limitadas predominam.
Apenas à título de informação, estão assim divididas as empresas constituídas no Brasil: 59,58% Empresário Individual (MEI); 26,71% Sociedade Empresária Limitada; 3,74% Associação Privada; 2,42% Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli); 2,15% Produtor Rural e 5,39% Outros (1,94% são sociedades anônimas).
Mas por que os sócios, em especial de empresas familiares, optam por esse tipo societário?
Geralmente por ter uma estrutura mais simples quando comparada às sociedades por ações, pelos custos inferiores no que respeita às publicações obrigatórias e manutenção, pela possibilidade de distribuir os lucros de maneira desproporcional e pelo fato da responsabilidade dos sócios ser limitada ao valor de suas quotas.
No entanto, pesquisas mostram que as empresas familiares apresentam dificuldades em transmitir o seu legado para as próximas gerações. Segundo pesquisa divulgada em 2016 pela PWC à nível mundo, somente 12% das empresas familiares conseguem chegar na 3ª geração, sendo que no Brasil esse percentual é de 5%, segundo dados extraoficiais.
Face ao exposto, pergunta-se: por que essas empresas fracassam na transição do comando de uma geração para a outra?
Frequentemente essas empresas dependem 100% do fundador ou de seus líderes principais e não possuem estruturas que lhe garantam sobrevivência e continuidade quando da ocorrência de algum evento inesperado, como falecimentos ou incapacidades. E ainda por falta de planejamento estratégico, visão de longo prazo, gestão profissionalizada e um processo decisório bem estruturado que lhe garantam anteciparem-se às mudanças evitando que a obsolescência de seus produtos, serviços ou mercados os atinja. Geralmente essas causas levam as empresas familiares ao fim.
Em razão do exposto, os conselhos sejam eles, conselho consultivo ou conselho de administração representam uma importante prática de governança corporativa, uma vez que irão incentivar essas empresas a ajustarem seus gargalos para seguirem em frente de maneira profissionalizada mesmo na ausência de seus líderes principais.
Dessa forma, quando os membros familiares entendem a importância dos conselhos e dos conselheiros para acompanharem a evolução do seu negócio, iniciam com a implementação de um conselho consultivo que será um fórum de opiniões, de forma que os conselheiros não deliberam, mas sim aconselham, estimulam disciplina, bem como orientam na aplicação de boas práticas de governança.
Assim, nessa primeira etapa (conselho consultivo), os conselheiros contribuem com expertises e experiências complementares às dos sócios ou nas áreas que estes entendam que merece destaque e atenção, sendo muito comum nas reuniões desse conselho a reflexão sobre os seguintes temas: 1). Nossos sistemas de gestão de informações são eficazes? 2). Como devemos capacitar os membros familiares que trabalham na empresa? 3). E a nossa equipe, como capacitá-las? 4). A nossa estrutura societária está adequada? 5). Como devemos separar os assuntos da família, propriedade e gestão? 6). Como encaminhar o desafio sucessório em nossa família? 7). Que estratégias digitais devemos implementar em nosso negócio? 8). Como lidar com a velocidade das mudanças? 9). Em que projetos devemos investir? 10). Quais os desafios para os próximos anos? 11). Estamos gerindo o negocio de maneira apropriada?
O conselho consultivo pode evoluir para um conselho de administração, que será um órgão colegiado e deliberativo, encarregado pelo processo de decisão do direcionamento estratégico do negócio, pela consolidação de um modelo de gestão otimizado, pela geração de melhor interação com os demais órgãos e funcionários da empresa, bem como com o público externo, responsável pela consolidação de questões éticas e de responsabilidade social e pela incorporação dos princípios e boas práticas de governança corporativa.
No entanto, para a implantação do conselho de administração a empresa deve ter um nível de maturidade diferente do que ela tinha quando instaurou o conselho consultivo, devendo refletir sobre: 1). Separação formal dos temas relacionados a família, propriedade e gestão; 2). Estrutura societária organizada, de preferência que as pessoas físicas não sejam diretamente sócias da operação; 3). Plano de sucessão tanto da propriedade como da gestão; 4). Regras para capacitação de membros da família que trabalham na empresa; 5). Regras para entrada de herdeiros; 6). Processo decisório bem estruturado; 7). Sistemas de gestão de informações eficazes e confiáveis; 8). Acordo de sócios e; 9). Presença de mais membros independentes no conselho.
A existência de um conselho ativo, independente e bem informado está entre os principais mecanismos de governança corporativa de qualquer empresa, principalmente familiar, contribuindo para a longevidade do negócio para as próximas gerações.
Contudo, muitos profissionais e empresários possuem dúvidas quanto a possibilidade de instituir conselhos consultivo e conselhos de administração em sociedades limitadas.
Visando desmistificar esse tema, é importante ressaltar que não há óbice para a instituição dos conselhos, tanto consultivo, quanto de administração, nas sociedades limitadas, desde que sejam tomadas algumas cautelas, conforme serão elencadas abaixo:
1). Previsão no contrato social da aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas, nos termos do art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil;
2). As sociedades limitadas se submetem à Lei das Sociedades Anônimas somente nas matérias passíveis de negociação entre os sócios, desde que haja expressa previsão no contrato social;
3). Matérias incompatíveis não podem ser tratadas nas sociedades limitadas, como por exemplo ações e debentures;
4). O contrato social deve prever regras de funcionamento e deliberação de cada órgão (reunião de sócios, diretoria e conselho de administração);
5). No caso do conselho consultivo, que não haverá deliberação, o contrato social deverá prever quais temas poderão ser levados para aconselhamento;
6). No que tange ao conselho de administração, pode ser aplicado o art. 142 da Lei das Sociedades Anônimas, desde que não afronte as matérias previstas no art. 1.071 do Código Civil que são de competência exclusiva dos sócios nas sociedades limitadas e, portanto, não podem ser delegadas, como por exemplo designar e destituir administradores. No entanto, é possível que o conselho de administração indique aos sócios os nomes de potenciais candidatos aos cargos de administradores ou diretores da empresa, embora a escolha final seja dos sócios.
Portanto, para auxiliar as empresas familiares diante de tantos desafios, a governança corporativa e os conselhos possuem um papel fundamental, pois trazem profissionalização, estruturação das esferas da família, propriedade e gestão e visão de futuro.
Tudo isso contribui para garantir a sobrevivência dessas empresas, que em geral, não conseguem transferir o seu legado de maneira estruturada para as próximas gerações.
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