Hoje trazemos o artigo do Sr. Renato Bernhoeft, “Empresas Familiares com mais de 200 anos”, que se baseia em uma pesquisa realizada por dois professores – Alden G. Lank e Mônica Wagen – onde foi possível listar algumas características que essas empresas e famílias têm em comum.
As histórias e sagas de empresas familiares que desaparecem antes de atingir a terceira geração são bastante conhecidas e merecem, constantemente, intensa divulgação através dos diferentes meios de comunicação. Mas até agora pouco tem se estudado e conhecido os casos de famílias empresárias que ultrapassaram a barreira dos 100 ou 200 anos. E por esta razão torna-se mais importante ainda, conhecer as razões que determinaram o sucesso das empresas, de controle familiar, que atingiram a categoria de bicentenárias.
E um dos primeiros pontos que se torna digno como registro para análise e conhecimento deste processo de longevidade, é que todas estas empresas continuam sendo controladas pelas mesmas famílias que lhe deram origem.
Um segundo destaque é que esta longevidade resulta de um processo contínuo que não envolve apenas a empresa e seu mercado. Mas ele é suficientemente amplo para que tanto a família, como o patrimônio, mereçam também uma atenção muito especial. Principalmente na perspectiva de que, além de uma família empresária, os seus componentes necessitam preparar-se para o papel de acionistas. Vínculo este que decorre tanto do legado e valores recebidos, como do capital herdado. E isto vai exigir, a cada nova geração, competências e condutas que agreguem valor, tanto material como moral, ao conjunto – individual e coletivo – que cada herdeiro deverá receber e administrar.
Pesquisa feita por dois professores – Alden G. Lank e Mônica Wagen – acrescidas pela experiência de um herdeiro da quinta geração de uma destas empresas – Bill Gordon, da indústria escocesa de bebidas William Grant & Sons – conseguiu listar as características determinantes da longevidade das empresas familiares com mais de 200 anos. E abaixo relacionamos algumas destas, com um respectivo comentário.
Iniciando a análise pelos fatores determinantes do sucesso na perspectiva da empresa, foram identificados os seguintes: Preservar e desenvolver uma atuação fortemente competitiva em relação aos negócios; Manter um foco claramente estratégico e de longo prazo; Ter muito claro o nicho de atuação e concentrar-se com firmeza no mesmo; Assegurar de que a marca se mantenha, ao longo de todo o tempo, como uma marca de alto valor agregado; Desenvolver um eficiente sistema de distribuição dos seus produtos e serviços; Estabelecer uma conduta de abertura para as oportunidades que permitam alianças estratégicas de forte valor agregado e complementaridade; Crescimento através de uma agressiva política de aquisições; Diversificar tendo sempre como estratégia agregar valor ao produto principal; Manter uma política de mercado em que a receita seja proveniente em 60% do mercado externo; Por último, preservar uma forte capacidade de adaptação às exigências do mercado – clientes, fornecedores e concorrentes -.
O que se pode depreender deste conjunto de fatores é que uma das características das empresas familiares com vida longa, e estratégia de negócios bem sucedida, é uma visão de longo prazo. Sua missão, planejamento e ações levam em conta os interesses de um grupo de acionistas, conjugado com o corpo executivo, para as gerações futuras. Tanto na perspectiva do mercado como dos seus controladores. São evitadas medidas de curto prazo, muito típicas de grupos executivos fortemente comprometidos com resultados vinculados a bonificações e cortes de custos abruptos.
Ao ampliar esta análise nas perspectivas da Família e do Patrimônio, levando ainda em consideração o vínculo societário e a importância em preservar o controle do capital, vamos encontrar um outro conjunto de fatores que, embora possa parecer complementar, possuem igual relevância que os já apresentados, na perspectiva da empresa.
Vejamos então alguns deles: Criar e manter, tanto na família como na sociedade, uma visão comum e compartilhada; Fixar, nas mesmas instâncias, estratégias alcançáveis; Estruturar instituições de governança apropriadas, tanto para a família como para o controle; Estabelecer, compartilhar e comprometer todos os componentes, com uma clara separação dos papéis de todos os componentes dos diferentes sistemas; Admitir a existência de conflitos e criar sistemas ágeis e legitimados para administrar os mesmos; Desenvolver e implementar políticas de Recursos Humanos para toda a família através de Acordos, Protocolos e Código de Ética; Estabelecer formas e comportamentos facilitadores que possam atrair, para a organização, executivos não-familiares competentes; Estruturar um processo de sucessão eficiente tanto no âmbito da família como da sociedade; Estar atento, e agir preventivamente, nas questões legais e tributárias;
Criar programas educativos para os mais jovens sobre o significado de fazer parte de uma família empresária; Manter cursos e eventos para a formação dos herdeiros para o papel de acionistas; Organizar eventos para que a família se divirta e amplie sua integração; Criar e manter atualizado o Acordo de Acionistas; Priorizar a empresa antes da família em todos os processos decisórios e administração dos conflitos; Estimular o orgulho e paixão de pertencer a uma família empresária; Preservar um espírito de independência e busca da realização pessoal e profissional como um compromisso de cada um.
Uma rápida observação deste conjunto de fatores mostra o quanto torna-se necessário um processo educativo das famílias, e seus componentes, para o desempenho dos seus diferentes papéis no contexto de uma empresa de controle e gestão familiar. E o uso da palavra processo é muito apropriado na medida em que este desafio se renova, e modifica, a cada nova geração.
Uma das conclusões importantes de todo este trabalho, que reforça a orientação que temos seguido nos processos de apoio a empresa nacional, é que sucessão na empresa familiar não se restringe a encontrar sucessores qualificados para o gerenciamento dos negócios. Tão fundamental quanto ter bons gestores, familiares ou não familiares, é ter uma família e acionistas conscientes e profissionalizados para os seus diferentes desafios. O exemplo das empresas longevas merece ser olhado e analisado com interesse. Nada deve ser imitado porque cada caso é um caso. Mas, guardadas a peculiaridades de cada família, patrimônio, sociedade e empresa, as referências podem ser úteis. Especialmente num país com a nossa diversidade cultural.
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