Saúde mental e bem-estar possuem relação profunda com a preocupação de formar líderes saudáveis, resilientes e justos. Quando se trata de empresas familiares, onde questões de propriedade, poder e afeto podem se sobrepor, qualquer mudança na saúde mental de um membro do sistema familiar tem potencial de impactar nos sistemas de gestão, de propriedade, na própria dinâmica da família e na relação com os stakeholders.
A governança familiar é uma estrutura necessária para manter no âmbito privado assuntos delicados e de foro íntimo. As questões de saúde mental devem estar na pauta da GF e munidas de recursos que possam não só despersonalizar julgamentos pessoais e preconceitos de parentes, como promover conhecimento através de especialistas e embasar o auxílio adequado ao equilíbrio e saúde mental do familiar.
Evoluímos bastante em informação e conhecimento de uma geração para outra e, verdade seja dita, também às custas de sofrimento. Mas o fato é que há ainda muito “mato alto”. Para aparar este mato é preciso que as famílias estejam próximas e atentas para identificar um familiar com comportamento que exija mais atenção ou um esforço na relação social e profissional.
É extremamente importante que haja distinção entre desvio comportamental e preconceito ou desinformação. Alguns membros de gerações mais velhas ainda fazem julgamentos pessoais equivocados sobre comportamentos que consideram estranhos por desconhecimento ou falta de atualização com valores contemporâneos. A governança familiar pode neutralizar o pré-julgamento através da inserção de profissionais e informação.
A proximidade e a confiança de uma família informada e atenta previne muito sofrimento relacionado a incompreensão de dificuldades, conflitos e até agilizar a constatação de sintomas e diagnóstico, evitando agravamento de doenças e ressentimentos.
Mas nem sempre o mundo é cor de rosa com famílias próximas, escuta ativa e ambiente de confiança. Falar e apontar um desequilíbrio quando a família está em negação ou ainda não considera a possibilidade de desvio comportamental é uma tarefa hercúlia e delicada, até mesmo em casos em que há confiança e diálogo.
A governança familiar é customizada e pode possuir estruturas como Conselho de Família e Comitês próprios destinados a estudar e cuidar de questões de interesse específico de uma família. Um familiar doente, ainda que não seja sócio, afeta a saúde de seu núcleo e pode ter potencial de destruir valor patrimonial e contaminar a gestão.
O profissional que vai ajudar a introduzir a governança familiar pode contar com comitês, especialistas e com outras estruturas e recursos que embasem a avaliação, administração e amparo ao doente e à família, mantendo a privacidade e o respeito necessário. É preciso ter em pauta como lidar com a saúde mental e considerar que o tema envolve muitos outros transtornos, além de síndromes legalmente incapacitantes.
Muitos transtornos, eram incompreendidos nas gerações anteriores, o que gerava pouca empatia, prejuízo nas relações, preconceitos, fofocas e até piadas cruéis e desqualificadoras. Isso inaugurava troncos familiares de inimizades e estigmas nocivos à dinâmica familiar.
O genograma da família é um recurso importante para se analisar o passado e propiciar a administração de riscos genéticos e comportamentos tóxicos nos núcleos familiares. Fatores psicológicos, genéticos e características do ambiente podem gerar o desequilíbrio em família e na empresa.
Repetições no padrão de comportamentos que se revelaram doentios podem ser indicadores da necessidade de um cuidado preventivo na saúde dos descendentes familiares. Esquizofrenia, transtornos alimentares, dependência química e até mesmo a psicopatia em graus leves possuem indicadores com escalas mensuráveis de comportamento.
Famílias podem se deparar com questões relacionadas a saúde mental entre as fases da infância, da adolescência e até mesmo na maturidade. Quanto mais cedo a família identificar e compreender a origem de comportamentos mais lucidez terá para ajudar e lidar com instabilidades mentais com complexidades curáveis, administráveis ou não.
Certamente é uma questão muito delicada para se administrar e que, provavelmente, aponta a necessidade de se pensar com mais seriedade na introdução da Governança Familiar. Desequilíbrio mental de um familiar, impactar na paz da família, afasta o desejo de pertencer à dinâmica familiar e empresarial, afetando planos de sucessão de lideranças e patrimoniais e até mesmo a continuidade da empresa nas mãos da família.
As relações familiares são tão fortes quanto delicadas. A Governança Familiar tem como finalidade fortalecer os laços de confiança entre os familiares e construir pontes necessárias para amparar e promover recursos para proteger a harmonia e a paz da família.
Uma família empresária que cuida de seu capital cognitivo (conhecimento e aprendizado) e emocional (cuidado) pode promover relações azeitadas suficientes para detectar e lidar com temas de saúde mental entre familiares, administrando este enorme desafio de forma humana e preservando, ao mesmo tempo, a continuidade da saúde e união do grupo familiar e empresarial.
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