Reflexão sobre profissionalização, inovação, governança e sucessão nas empresas familiares

REVISTA ENTRE VIAS – ANO XIII – Nº 172 – AGOSTO DE 2018

http://www.revistaentrevias.com.br/upload_arquivos/revistas/63/EntreVias_ED172_(1).pdf

BATE-BOLA COM ESPECIALISTA

Monique de Souza Pereira – Membro do GEEF – Grupo de Estudos de Empresas Familiares – FGV/SP e associada do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. É formada em Direito pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ, especialista em Direito Tributário pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ/RJ, em Fiscalidad Internacional? Universidad de Castilla-La Mancha/Espanha, em Fusões e Aquisições, Reorganizações Societárias e Due Diligence e Direito Societário – FGV/SP e Consultora de Empresa Familiar pela Universitat Abat Oliba CEU, Barcelona/Espanha. Sócia do escritório Souza Pereira Advogados em Curitiba.

Entrevias: A senhora observa profissionalização das empresas familiares brasileiras nos últimos anos?

Monique de Souza Pereira: Sim, tenho observado uma maior preocupação por parte das empresas familiares no que tange à profissionalização da gestão dos negócios. Muito em razão das condições econômicas difíceis nos últimos anos, as empresas familiares tiveram que se reinventar e, dessa forma, reorganizar seus antigos padrões de baixa eficiência, para continuarem competitivas em seus mercados. Contudo, em geral, essa preocupação não acontece em relação à família e à propriedade. Da mesma forma que é importante profissionalizar a gestão através de sistemas de informações eficazes e confiáveis, controles internos efetivos, planejamento estratégico, mapeamento de riscos, reorganização societária e capacitação constante da equipe, é de suma relevância instituir governança para os assuntos relacionados à família e à propriedade. Dessa forma, além da criação de regras para a família, tais como, solução de impasses em casos de divergências, uso de bens, serviços e funcionários, remuneração do capital e do trabalho, critérios para a contratação e o desligamento de familiares da empresa, preparação das próximas gerações e criação de um conselho de família dinâmico, também é fundamental ter regras norteando a propriedade, como doações das participações com usufruto vitalício, restrições à transferência de participações para pessoas específicas, direito de preferência, direito de retirada, apuração de haveres e critérios de pagamentos, além do planejamento sucessório prevendo a transição da propriedade para as próximas gerações.

Entrevias: As empresas familiares estão inovando?

Monique de Souza Pereira: A inovação não está sendo tratada aqui no Brasil com a urgência que outros países têm tratado o assunto. Talvez isso esteja ocorrendo em razão das dificuldades econômicas que nossas empresas estão bravamente lutando para atravessar. Contudo, é comum que as empresas familiares sejam menos abertas a novas ideias e menos propensas a correr riscos. Outro ponto muito levantado pelas próprias empresas familiares é que elas têm dificuldades em atrair e reter as pessoas certas para auxiliá-las nesse processo de inovação. Contudo, o que falta na maioria dessas empresas é um plano estratégico. É difícil identificar as pessoas e habilidades certas sem um plano estratégico claro. É ele que define o futuro do negócio e será responsável por determinar as competências necessárias para alcançar esse objetivo. Portanto, de um modo geral, faltam reuniões estratégicas para definir o longo prazo dessas empresas. Com a velocidade das mudanças, novas tecnologias e modelos disruptivos de negócios, todas as empresas precisam pensar além das demandas imediatas do dia a dia e estruturar uma visão bem fundamentada sobre o cenário de negócios em dois, cinco ou dez anos. Um passo importante, que pode auxiliar as empresas familiares, é criar um conselho consultivo ou conselho de administração, trazendo conselheiros independentes, com visão e expertises diferentes das dos sócios, complementando e agregando valor ao negócio.

Entrevias: Qual o maior desafio na gestão de uma empresa familiar?

Monique de Souza Pereira: Definir e implementar um processo decisório estruturado que não dependa 100% de seu fundador para a tomada de decisões. Frequentemente, todas as decisões estão centralizadas em uma pessoa, o que pode ocasionar dependência e engessamento do negócio, principalmente nos casos de eventos inesperados, como incapacidades e falecimentos. É muito comum que os herdeiros não saibam conduzir um negócio familiar quando do falecimento do seu fundador, o que pode gerar duas situações: a ruína do negócio ou a sua venda. Portanto, é fundamental que sejam criados órgãos de deliberação, controle, fiscalização e execução das atividades empresariais, visando segregar poderes, atribuições e responsabilidades. Isso quer dizer que o ideal é formalizar e dividir as tarefas por meio de contrato ou estatuto social, acordo de sócios e regimento interno, instituindo órgãos que auxiliem o bom funcionamento do negócio, como reunião ou assembleia de sócios, conselho consultivo, conselho de administração, conselho fiscal, presidência e diretorias, desde que tais funções sejam ocupadas por profissionais qualificados para os respectivos cargos. Ainda que o negócio seja pequeno, é importante deixar clara a função de cada membro que atua na empresa, descrevendo-se detalhadamente o papel de cada sócio, administrador, gerente e diretor, incentivando, assim, a meritocracia.

Entrevias: Quais são as oportunidades em uma empresa familiar?

Monique de Souza Pereira: As principais forças das empresas familiares, que as motivam diariamente, são: os valores fortemente transmitidos aos colaboradores, clientes e demais pessoas, os altos padrões éticos, o desejo de transmitir o negócio para as próximas gerações, o processo de decisão geralmente mais rápido do que o de outras empresas, persistência para alcançar os objetivos, espírito de equipe (estão juntos para o que der e vier e, em geral, sacrificam a própria renda para investir no negócio), compromisso para atender os clientes, zelo pela qualidade de seus serviços/produtos. As empresas familiares também costumam ser altamente empreendedoras e resilientes.

Entrevias: Qual o papel da nova geração para a continuidade dos negócios?

Monique de Souza Pereira: A nova geração tem bastante consciência da sua importância na continuidade dos negócios da família e está se preparando como nunca para assumir esse papel. Eles são ousados, dinâmicos e abertos às mudanças. Segundo a Pesquisa Global sobre Empresas Familiares, estudo realizado pela PWC em 2016, “esses profissionais desejam transformar os negócios que herdarão e passar adiante algo muito diferente para a geração futura: eles querem explorar novos produtos e serviços e novos mercados, mas também estão interessados em novos locais e até mesmo em novos modelos de negócios”. As novas gerações trazem novas ideias e isso pode originar choques intergeracionais. Eu costumo dizer que essa nova geração deve ser vista como uma grande oportunidade para a longevidade do negócio, pois essas pessoas vão trazer inovação por meio de ideias nos âmbitos digital e tecnológico, o que pode auxiliar na aproximação da empresa com os atuais clientes e na busca de novos clientes e mercados.

Entrevias: Quais são os passos para uma sucessão eficaz? A governança corporativa é um deles?

Monique de Souza Pereira: As palavras-chave seriam planejamento, profissionalização e implantação. E a governança corporativa é fundamental nesse processo, pois garante a confiabilidade da empresa, criando um conjunto eficiente de mecanismos, com a finalidade de gerar valor e contribuir para a longevidade do negócio. Tenho observado que as empresas familiares que não resistem à passagem do tempo são aquelas que não planejam a sucessão e, em geral, não prepararam a família para a continuidade do negócio. E, para que a transição do comando da empresa aconteça sem desgastes, é essencial que haja o planejamento não só da gestão, como também da propriedade. Desde cedo, deve-se pensar em preparar possíveis sucessores para os cargos de liderança da empresa, bem como nos critérios para que os familiares trabalhem na empresa e em como a propriedade das quotas, por exemplo, será transferida aos herdeiros. Não há sentido no fato de uma empresa manter planos detalhados de continuidade do negócio se ela não aborda o risco mais importante relacionado a esse tema: sucessão. A partir do planejamento, é importante que haja a profissionalização e a implementação de todas as etapas planejadas, tais como planejamento sucessório, preparação de herdeiros, elaboração de instrumentos jurídicos visando colocar em prática o que foi planejado, acordo de sócios para alinhar as relações futuras dos sócios e herdeiros, e protocolo de família, para preparar e profissionalizar a família nessa transição.

Entrevias: Gostaria de apresentar mais informações e/ou deixar uma mensagem?

Monique de Souza Pereira: Eu gostaria de deixar uma citação de um diretor executivo de uma empresa familiar da Malásia como norteador para as empresas familiares brasileiras: “chegamos aonde estamos sendo bastante flexíveis e empreendedores, mas há um momento em que você precisa de regras. Tínhamos muitas regras não escritas, mas elas acabaram ficando para trás. A profissionalização é uma jornada permanente, mas eu a vejo como minha missão para nos tornarmos mais resilientes diante de qualquer crise e mais fortes para o futuro.” (Dato´ Roslan, diretor executivo do Group COO, AZRB, Malásia)

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